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Significado de Artaxerxes

Ilustração do personagem bíblico Artaxerxes

Ilustração do personagem bíblico Artaxerxes (Nano Banana Pro)

A figura de Artaxerxes, um monarca persa, emerge nas Escrituras Hebraicas como um personagem crucial na história pós-exílica de Israel. Sua presença nos livros de Esdras e Neemias não é a de um adorador de Javé, mas a de um governante pagão que, por meio da providência divina, desempenhou um papel instrumental na restauração do povo judeu após o cativeiro babilônico. Sua relevância teológica reside não em seu próprio caráter espiritual, mas em como Deus o utilizou para cumprir Suas promessas e preparar o cenário para a vinda do Messias.

Esta análise buscará explorar a etimologia de seu nome, o contexto histórico de seu reinado, seu caráter conforme revelado nas Escrituras, seu significado teológico e tipológico, e seu legado bíblico-teológico sob uma perspectiva protestante evangélica conservadora, enfatizando a soberania de Deus sobre a história e as nações.

1. Etimologia e significado do nome

O nome Artaxerxes é a forma grega (Ἀρταξέρξης, Artaxérxēs) do nome persa antigo Artakhshathra. Nas Escrituras Hebraicas e Aramaicas, ele aparece transliterado como אַרְתַּחְשַׁשְׁתָּא (Artachshashta) ou אַרְתַּחְשַׁסְתְּא (Artachshasta), especialmente em Esdras 4:7 e Neemias 2:1.

A raiz etimológica do nome é persa, derivando de arta, que significa "verdade" ou "retidão" (um conceito central na religião zoroastriana), e khshathra, que significa "reino" ou "império". Assim, o significado literal de Artaxerxes é "aquele cujo império é baseado na verdade" ou "governante justo".

Esta designação reflete um ideal de realeza persa, onde a justiça e a ordem eram vistas como pilares do governo. Embora o significado do nome não confira automaticamente virtude ao rei, ele estabelece um contraste ou uma expectativa. No contexto bíblico, o nome pode servir como um lembrete sutil da soberania de Deus, que pode usar até mesmo um governante pagão que se autodenomina "justo" para cumprir Seus propósitos de verdadeira justiça e redenção.

Não há outros personagens bíblicos com este nome exato. No entanto, "Artaxerxes" era um nome dinástico, usado por vários reis do Império Aquemênida. O mais proeminente nas narrativas bíblicas é Artaxerxes I Longimanus, embora haja debate sobre a identidade do Artaxerxes em Esdras 4.

A significância teológica do nome, para um público hebreu, não residiria tanto no seu significado intrínseco, mas na forma como Deus o empregou. O fato de um rei pagão com um nome que evoca "justiça" ser o instrumento para a restauração de Jerusalém e do culto demonstra que a verdadeira justiça e o governo vêm de Javé, que "remove reis e estabelece reis" (Daniel 2:21), usando até mesmo os poderosos do mundo para Seus fins redentores.

A providência divina se manifesta no controle de reis e impérios, fazendo com que suas decisões, mesmo que motivadas por interesses políticos ou pessoais, sirvam ao plano eterno de Deus. O nome, portanto, aponta para a ironia divina: um rei pagão, auto-proclamado "governante justo", é movido pelo verdadeiro Deus para restaurar a justiça e a ordem entre Seu povo eleito, Israel.

2. Contexto histórico e narrativa bíblica

2.1. Período histórico e contexto político

O Artaxerxes mais significativamente mencionado nas Escrituras é geralmente identificado como Artaxerxes I Longimanus, que reinou sobre o vasto Império Persa Aquemênida de 465 a 424 a.C. Este período é crucial para a história do povo judeu, pois se situa no tempo pós-exílico, quando os judeus já haviam retornado do cativeiro babilônico sob os decretos de Ciro e Dario, mas ainda estavam em processo de reconstrução de sua nação, templo e muros de Jerusalém.

O contexto político era de um império persa em seu apogeu, com vasto controle territorial, mas também com desafios internos e externos. A administração persa era conhecida por sua organização e, em muitos casos, por uma política de tolerância religiosa e cultural para com os povos dominados, o que facilitou o retorno e a reconstrução judaica.

2.2. Principais eventos da vida e passagens bíblicas chave

A presença de Artaxerxes na narrativa bíblica é central para a restauração de Jerusalém. Ele aparece em dois momentos distintos nos livros de Esdras e Neemias, que podem se referir a diferentes fases de seu reinado ou, em um caso, a um monarca diferente.

Primeiramente, em Esdras 4:7-24, um rei chamado Artaxerxes é persuadido por oficiais samaritanos e outros adversários a emitir um decreto que paralisou a reconstrução do templo e dos muros de Jerusalém. Este evento é datado por alguns estudiosos como anterior ao reinado de Artaxerxes I, possivelmente referindo-se a Xerxes I (Assuero), enquanto outros o veem como uma fase inicial e hostil do reinado do próprio Artaxerxes I.

A narrativa mais proeminente e positivamente associada a Artaxerxes I ocorre mais tarde. No sétimo ano de seu reinado (458 a.C.), ele emitiu um decreto que permitiu a Esdras, um escriba e sacerdote, retornar a Jerusalém com autoridade para ensinar a Lei de Deus, estabelecer juízes e magistrados, e embelezar o templo (Esdras 7:1-26). Este decreto foi notável por sua generosidade, concedendo a Esdras vastos recursos financeiros e autoridade imperial.

Posteriormente, no vigésimo ano de seu reinado (445 a.C.), Artaxerxes I concedeu a Neemias, seu copeiro, permissão para retornar a Jerusalém e reconstruir os muros da cidade (Neemias 2:1-8). Esta decisão foi crucial, pois a reconstrução dos muros simbolizava a restauração da segurança e autonomia da comunidade judaica, permitindo que Jerusalém se tornasse uma cidade fortificada e um centro para o povo de Deus.

2.3. Geografia e relações com outros personagens

As interações com Artaxerxes ocorreram principalmente na capital persa, Susã (Neemias 1:1), e em Babilônia, de onde Esdras partiu (Esdras 7:9). As decisões tomadas nessas capitais tiveram um impacto direto em Jerusalém, a cidade santa dos judeus.

Suas relações com os personagens bíblicos são com Esdras e Neemias. Ele confiou a Esdras a missão de restaurar a lei e o culto, e a Neemias a tarefa de reconstruir os muros. A narrativa de Neemias destaca a proximidade de Neemias com o rei, servindo como seu copeiro, o que lhe deu acesso e influência significativos (Neemias 1:11; 2:1). Essa relação pessoal foi fundamental para a obtenção dos decretos reais e dos recursos necessários para a obra em Jerusalém.

A esposa de Artaxerxes é mencionada em Neemias 2:6, presente durante o diálogo com Neemias, sugerindo uma possível influência da rainha nas decisões do rei. Embora não explicitamente nomeada, a presença de uma rainha consorte é notável, especialmente se considerarmos a possível ligação com a rainha Ester, embora a maioria dos estudiosos identifique Assuero (Xerxes I) como o rei de Ester, não Artaxerxes I.

3. Caráter e papel na narrativa bíblica

3.1. Análise do caráter conforme revelado nas Escrituras

O caráter de Artaxerxes, conforme revelado nas Escrituras, é complexo e multifacetado, refletindo a dinâmica de um monarca pagão em um império vasto. Inicialmente, ele demonstra ser suscetível à manipulação política e à oposição. Em Esdras 4:17-22, ele é facilmente convencido pelos adversários dos judeus, como Reum e Simsai, a emitir um decreto que paralisou a reconstrução de Jerusalém. Isso revela uma preocupação com a estabilidade do império e uma disposição para agir com base em informações parciais ou tendenciosas.

No entanto, em momentos posteriores, Artaxerxes exibe uma notável benevolência e abertura para com os judeus e seus líderes. Seu tratamento de Esdras (Esdras 7) e Neemias (Neemias 2) revela um governante que não apenas concede permissão, mas também fornece recursos significativos, proteção e autoridade legal. Ele parece ter sido influenciado pela integridade e pela sabedoria desses homens de Deus, bem como por uma percepção da mão divina sobre eles, como reconhecido por Esdras: "a mão do Senhor meu Deus estava sobre mim" (Esdras 7:28).

3.2. Virtudes, fraquezas e decisões-chave

Entre suas qualidades, podemos destacar a capacidade de ouvir e responder a petições, uma certa magnanimidade e, crucialmente, uma disposição para delegar autoridade e confiar em seus súditos, mesmo que de uma cultura e religião diferentes. A confiança depositada em Neemias, seu copeiro, para uma missão tão vital, demonstra uma lealdade e uma perspicácia em reconhecer a competência.

Sua principal fraqueza, inicialmente, foi a falta de discernimento para ver através das acusações falsas dos adversários dos judeus. No entanto, ele parece ter superado essa fraqueza ou ter sido persuadido por argumentos mais convincentes, talvez através da influência de Esdras ou Neemias, que apresentaram suas causas com oração e sabedoria (Neemias 1:4-11; 2:4).

As decisões-chave de Artaxerxes foram os decretos que permitiram a Esdras e Neemias realizarem suas missões. O decreto de Esdras 7 não apenas permitiu a Esdras ir a Jerusalém, mas também o autorizou a impor a lei de Deus e a do rei, e a receber contribuições para o templo. O decreto de Neemias 2 para reconstruir os muros de Jerusalém foi igualmente transformador, fornecendo madeira, proteção militar e autoridade governamental a Neemias.

3.3. Papel na narrativa bíblica e desenvolvimento do personagem

O papel de Artaxerxes na narrativa bíblica é fundamentalmente o de um instrumento da providência divina. Ele não é um personagem que passa por um desenvolvimento espiritual pessoal em direção à fé em Javé. Em vez disso, seu desenvolvimento é visto na mudança de suas políticas em relação aos judeus, de um estado de oposição ou indiferença para um de apoio ativo.

Ele não era um profeta, sacerdote ou rei de Israel, mas um monarca pagão cujo trono era usado por Deus para cumprir Seus planos redentores. Sua função era política e administrativa, mas suas ações tiveram profundas implicações teológicas, permitindo a restauração do culto, da lei e da segurança da comunidade judaica, elementos essenciais para a preservação da linhagem messiânica e a preparação para a vinda de Cristo.

A narrativa de Esdras e Neemias enfatiza que "a boa mão de seu Deus estava sobre ele" (Esdras 7:9) e que "o rei lhe deu tudo quanto ele lhe pedira, porque a boa mão do seu Deus estava sobre ele" (Esdras 7:6). Isso sublinha que as decisões favoráveis de Artaxerxes não eram meramente políticas ou pessoais, mas divinamente orquestradas, confirmando a soberania de Deus sobre os corações dos reis (Provérbios 21:1).

4. Significado teológico e tipologia

4.1. Papel na história redentora e revelação progressiva

O significado teológico de Artaxerxes reside primariamente em seu papel como um instrumento da soberania divina na história redentora de Israel. Embora não fosse um crente em Javé, suas ações foram cruciais para a revelação progressiva do plano de Deus. Seu reinado marcou um período vital para a restauração pós-exílica, permitindo a reconstrução do templo, a reintrodução da Lei e, mais significativamente, a fortificação de Jerusalém.

A permissão concedida por Artaxerxes a Esdras e Neemias foi essencial para a preservação da identidade judaica e para a preparação da comunidade para a vinda do Messias. A restauração da cidade e do culto era um pré-requisito para o cumprimento das profecias messiânicas, que exigiam um cenário judaico estabelecido para a encarnação de Cristo.

4.2. Prefiguração ou tipologia cristocêntrica

Artaxerxes não é tipologicamente um prefigurador direto de Cristo no sentido de ser um modelo moral ou espiritual. Ele é um rei pagão que age sob a providência de Deus. No entanto, sua atuação pode ser vista como uma prefiguração indireta da soberania universal de Deus, que se manifesta plenamente em Cristo. Assim como Artaxerxes, um rei poderoso, foi usado para restaurar a cidade de Deus, Cristo, o Rei dos reis, viria para restaurar o verdadeiro povo de Deus e edificar a nova Jerusalém espiritual.

Em um sentido mais amplo, a forma como Deus opera através de um governante secular para restaurar o Seu povo aponta para a autoridade suprema de Cristo sobre todos os reinos e poderes (Colossenses 1:16). A história de Artaxerxes demonstra que "o coração do rei é como rios de águas na mão do Senhor; ele o inclina para onde quer" (Provérbios 21:1), uma verdade que encontra seu ápice na obra redentora de Cristo, que submete tudo ao Seu domínio.

4.3. Alianças, promessas e profecias relacionadas

O decreto de Artaxerxes para reconstruir Jerusalém é de particular importância para a profecia das setenta semanas de Daniel. Em Daniel 9:25, a profecia menciona que "desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até o Messias, o Príncipe, haverá sete semanas e sessenta e duas semanas". A maioria dos comentaristas evangélicos conservadores, como John Walvoord e J. Dwight Pentecost, identifica o decreto de Artaxerxes a Neemias (445 a.C., Neemias 2:1-8) como o ponto de partida para essa profecia.

Esta interpretação é crucial para a cronologia escatológica e a compreensão do cumprimento profético em Cristo. O decreto de Artaxerxes, portanto, não é apenas um evento histórico, mas um marco profético divinamente ordenado que aponta diretamente para a vinda do Messias.

4.4. Conexão com temas teológicos centrais

A narrativa de Artaxerxes reforça temas teológicos centrais como a soberania de Deus, a fidelidade à aliança e a providência divina. Deus cumpre Suas promessas de restauração a Israel, mesmo usando um rei pagão como Seu agente (Isaías 44:28; 45:13). A graça de Deus é evidente ao mover o coração de um monarca estrangeiro para abençoar Seu povo, demonstrando que a salvação e a restauração são obras exclusivas de Javé.

A história também ilustra o conceito de "graça comum", onde Deus estende Sua bondade e controle sobre toda a criação, inclusive sobre governantes seculares, para manter a ordem e, em certos casos, para avançar Seus propósitos redentores mais amplos. As ações de Artaxerxes, embora não motivadas por fé, serviram aos propósitos de Deus, garantindo a preparação para o cenário do Novo Testamento.

5. Legado bíblico-teológico e referências canônicas

5.1. Menções em outros livros bíblicos e contribuições literárias

As menções de Artaxerxes estão confinadas aos livros de Esdras e Neemias, onde sua figura é central para a narrativa da restauração pós-exílica. Ele não é autor de nenhum livro bíblico ou de porções canônicas. Sua contribuição é histórica e teológica, por meio das ações que Deus o moveu a realizar, que foram registradas por Esdras e Neemias, que foram inspirados pelo Espírito Santo.

A ausência de Artaxerxes em outros livros bíblicos fora do período persa é esperada, dado seu papel específico e histórico. Sua relevância está intrinsecamente ligada àquele período crucial da história de Israel, servindo como pano de fundo para a fidelidade de Deus em meio às nações.

5.2. Influência na teologia bíblica e na tradição interpretativa

A figura de Artaxerxes exerce uma influência significativa na teologia bíblica, particularmente no que diz respeito à doutrina da providência divina e da soberania de Deus sobre a história. Ele é um testemunho vívido de como Deus usa governantes seculares, até mesmo pagãos, para cumprir Seus propósitos redentores e proféticos. Essa perspectiva é fundamental para a teologia reformada e evangélica, que enfatiza a soberania absoluta de Deus sobre todas as coisas.

Na tradição interpretativa judaica e cristã, Artaxerxes é frequentemente discutido em conexão com a profecia de Daniel 9, sendo seu decreto um ponto de partida para a contagem das setenta semanas. Isso o torna um personagem-chave para o estudo da cronologia profética e da escatologia. Comentaristas como C.F. Keil e Franz Delitzsch, em sua obra Commentary on the Old Testament, destacam a precisão histórica e profética desses eventos.

5.3. Tratamento na teologia reformada e evangélica

Na teologia reformada e evangélica, Artaxerxes é frequentemente apresentado como um exemplo claro da providência soberana de Deus. John Calvin, em seus comentários, frequentemente ressalta como Deus governa os reis e impérios para Seus próprios fins. O caso de Artaxerxes ilustra que a vontade de Deus prevalece, mesmo quando os instrumentos humanos não O conhecem ou não têm intenções espirituais.

Essa perspectiva reforça a confiança na fidelidade de Deus para com Suas promessas de aliança, independentemente das circunstâncias políticas ou da natureza dos governantes humanos. A história de Artaxerxes serve como uma poderosa ilustração de que Deus está no controle da história, orquestrando eventos para a glória de Seu nome e para a salvação de Seu povo, culminando na obra de Cristo.

5.4. Importância do personagem para a compreensão do cânon

A importância de Artaxerxes para a compreensão do cânon bíblico reside em seu papel vital na ponte entre o cativeiro e a era intertestamentária, e na preparação para o Novo Testamento. Os livros de Esdras e Neemias, nos quais ele é proeminente, são essenciais para entender como a comunidade judaica foi restabelecida em sua terra, com sua lei e seu templo, elementos cruciais para o cenário da vinda de Jesus Cristo.

Sem os decretos de Artaxerxes, a restauração de Jerusalém e a preservação do judaísmo teriam sido significativamente mais desafiadoras, e o cumprimento de profecias como a de Daniel 9 teria sido menos claro. Assim, Artaxerxes, um rei pagão, é um testemunho da inspiração e da inerrância das Escrituras, que narram não apenas a história de Israel, mas o plano redentor de Deus para toda a humanidade, que se desdobra através de eventos históricos controlados por Ele.