Significado de Baara

Ilustração do personagem bíblico Baara (Nano Banana Pro)
A figura de Baara, embora de menção singular e ambígua nas Escrituras Hebraicas, oferece um campo fértil para a análise exegética e teológica. Sua aparição em 1 Crônicas 8:8, no contexto de uma genealogia benjamita, levanta questões importantes sobre a interpretação textual, o propósito das listas genealógicas e a soberania divina em meio às complexidades da vida humana no Antigo Israel. Este verbete visa explorar profundamente a identidade, o contexto e o significado teológico de Baara sob uma perspectiva protestante evangélica conservadora, destacando a autoridade bíblica e a precisão exegética, mesmo para os personagens mais obscuros.
1. Etimologia e significado do nome
O nome Baara, conforme aparece em algumas traduções portuguesas (e.g., Almeida Revista e Corrigida), deriva do hebraico בַּעֲרָה (Ba'arah). A raiz etimológica para este termo é בָּעַר (ba'ar), que possui múltiplos significados no hebraico bíblico.
Primariamente, ba'ar pode significar "queimar", "consumir", "incendiar" (como em Êxodo 3:2, onde a sarça ardia, ba'ar). Em um sentido figurado, pode denotar uma paixão intensa ou um juízo ardente. Se interpretado como um nome próprio, Baara poderia significar "queimando", "chama", ou "aquela que queima", sugerindo um caráter veemente ou uma associação com o fogo.
Contudo, a interpretação de בַּעֲרָה como um nome próprio em 1 Crônicas 8:8 é objeto de debate significativo entre os estudiosos. O texto hebraico masorético apresenta a frase וּבַעֲרָה נָשָׁיו (u-va'arah nashav). Enquanto algumas traduções antigas, como a Septuaginta (καὶ βααρα) e a Vulgata (et Baara), e algumas modernas (como a ARC em português e a KJV em inglês) a consideram um nome próprio, muitas outras traduções e comentaristas modernos a interpretam de forma diferente.
A ambiguidade reside no fato de que בַּעֲרָה pode ser lido como um substantivo comum ou uma forma verbal. Alguns propõem que seja uma forma substantivada da raiz ba'ar no sentido de "remover", "eliminar", "enviar embora", referindo-se ao ato de Shaharaim de despedir suas esposas. Assim, a frase poderia ser traduzida como "e suas esposas que foram despedidas/removidas", ou "e suas esposas, a desocupada/abandonada".
A Nova Versão Internacional (NVI), por exemplo, traduz a passagem como: "Shaharaim teve filhos em Moabe depois que se divorciou de suas mulheres Husim e Baara". No entanto, a New American Standard Bible (NASB) e a English Standard Version (ESV) optam por uma construção que evita o nome próprio, traduzindo como "and his wives Baara" ou "and his wives, [who were] sent away". A Brazilian Literal Translation (BLT) traduz como "e Baara, suas esposas", mantendo a ambiguidade. Essa diversidade reflete a incerteza exegética.
Se Baara for de fato um nome próprio, sua inclusão nas genealogias do Cronista, ao lado de Husim, seria uma indicação da importância de registrar todos os membros da família, mesmo aqueles que foram subsequentemente "despedidos" ou "divorciados". A etimologia "ardente" poderia, especulativamente, aludir a uma personalidade forte ou a circunstâncias difíceis que levaram ao divórcio.
Não há outros personagens bíblicos explicitamente nomeados Baara. A singularidade da menção, combinada com a incerteza etimológica e gramatical, torna Baara um dos personagens mais enigmáticos do cânon bíblico. A significância teológica do nome, se for um nome, reside na maneira como Deus preserva os registros genealógicos, incluindo figuras que, porventura, tiveram papéis complexos na história de suas famílias.
2. Contexto histórico e narrativa bíblica
A menção de Baara está inserida no livro de 1 Crônicas, especificamente no capítulo 8, que detalha as genealogias da tribo de Benjamim. Os livros de Crônicas foram escritos após o exílio babilônico, provavelmente entre 450 e 400 a.C., por um autor tradicionalmente conhecido como o Cronista.
2.1 Origem familiar e genealogia
O propósito principal do Cronista era reafirmar a identidade de Israel após o exílio, conectando a comunidade pós-exílica com suas raízes históricas e suas promessas pactuais. As genealogias eram cruciais para essa finalidade, estabelecendo a continuidade das tribos, a elegibilidade para o sacerdócio e a linhagem davídica. O capítulo 8 de 1 Crônicas foca nos descendentes de Benjamim, uma tribo que havia sido quase exterminada em um episódio de guerra civil (Juízes 20-21).
Baara é mencionada em conexão com Shaharaim, um descendente de Benjamim. O versículo 8 declara: "E Shaharaim gerou filhos na terra de Moabe, depois de ter despedido suas mulheres Husim e Baara" (1 Crônicas 8:8, ARC). Shaharaim é listado como pai de filhos que nasceram em Moabe, após ter "despedido" (do hebraico שִׁלֵּחַ, shilleach, "enviar embora", "divorciar") Husim e Baara.
A narrativa não fornece detalhes sobre o motivo do divórcio ou o período exato em que ocorreu. No entanto, o fato de Shaharaim ter filhos em Moabe, após despedir suas esposas prévias, sugere um período de vida ou residência nessa terra estrangeira. Moabe, a leste do Mar Morto, era vizinha de Israel e frequentemente em conflito ou em relações complexas com ela (cf. Números 22-25; Juízes 3:12-30; Rute 1:1-5).
2.2 Principais eventos e geografia
O principal "evento" na vida de Baara, conforme registrado, é o seu casamento com Shaharaim e o subsequente divórcio ou "despedimento". Este é o único detalhe biográfico fornecido. Ela é categorizada como uma das esposas que Shaharaim "enviou embora" antes de ter filhos em Moabe com outras mulheres. A menção de Moabe é geograficamente significativa, indicando um período ou local de vida para Shaharaim e, presumivelmente, para suas esposas anteriores.
A passagem não especifica se Baara era moabita ou israelita. Se ela fosse israelita, seu divórcio ocorreria sob as leis mosaicas (cf. Deuteronômio 24:1-4). Se fosse moabita, isso adicionaria uma camada de complexidade às relações inter-étnicas, que eram frequentemente desaprovadas, embora não proibidas em todas as circunstâncias (cf. Rute 1:4; Esdras 9:1-2).
A ausência de informações adicionais sobre Baara é notável. Ela é um exemplo de como as genealogias bíblicas, embora meticulosas, podem ser lacônicas sobre os indivíduos, focando mais na linha de descendência do que nas biografias pessoais. Sua relevância reside, portanto, em sua função dentro da estrutura genealógica e no que sua menção nos diz sobre as práticas sociais e legais da época.
3. Caráter e papel na narrativa bíblica
Dada a menção extremamente breve e ambígua de Baara em 1 Crônicas 8:8, é desafiador construir uma análise detalhada de seu caráter ou papel na narrativa bíblica. As Escrituras não fornecem informações diretas sobre suas ações, palavras, virtudes ou falhas. Sua presença é puramente referencial, como uma das esposas de Shaharaim que foi despedida.
Se considerarmos Baara como um nome próprio, e sua etimologia como "ardente" ou "chama", poderíamos especular sobre uma personalidade forte ou talvez um temperamento difícil que contribuiu para o divórcio. No entanto, tal inferência é meramente conjectural e não possui base explícita no texto sagrado. A teologia reformada e evangélica enfatiza a necessidade de derivar o caráter e o significado diretamente do que é revelado nas Escrituras, evitando especulações sem fundamento textual.
O papel de Baara na narrativa é, portanto, o de uma figura passiva, objeto de uma ação (o divórcio ou despedimento) por parte de seu marido Shaharaim. Ela representa a realidade das relações conjugais na antiguidade, incluindo as instâncias de divórcio, que eram permitidas, embora não fossem o ideal divino (cf. Malaquias 2:16; Mateus 19:8). A inclusão de seu nome, mesmo nesse contexto, sugere que sua existência era relevante para o registro genealógico da família de Benjamim.
O Cronista, ao registrar esses detalhes, não faz um julgamento moral explícito sobre Shaharaim ou sobre o divórcio. O foco é na preservação da linhagem e na continuidade do povo de Israel. A menção de Baara, portanto, serve para completar o registro genealógico, indicando que ela foi uma esposa de Shaharaim antes que ele tivesse filhos em Moabe com outras mulheres.
Em um sentido mais amplo, a falta de detalhes sobre Baara pode servir como um lembrete da vasta maioria de pessoas na história bíblica que viveram e morreram sem ter suas histórias individuais extensivamente contadas. No entanto, mesmo essas figuras aparentemente menores são parte do grande plano de Deus e contribuem, em seu próprio lugar, para a tapeçaria da história da salvação. Sua "vocação" ou "função" foi, no mínimo, ser parte da família de Benjamim e, consequentemente, da nação de Israel.
4. Significado teológico e tipologia
Apesar da escassez de informações sobre Baara, sua breve menção em 1 Crônicas 8:8 possui um significado teológico que pode ser explorado sob a perspectiva protestante evangélica.
4.1 Papel na história redentora e revelação progressiva
Como parte de uma genealogia, Baara está inserida na história redentora de Deus. As genealogias bíblicas não são meros registros de nomes; elas demonstram a fidelidade de Deus em preservar uma linhagem através da qual Suas promessas seriam cumpridas, culminando na vinda do Messias, Jesus Cristo (cf. Gênesis 12:3; Mateus 1:1-17; Lucas 3:23-38). Cada indivíduo, por mais obscuro que seja, contribui para a continuidade dessa linhagem.
Mesmo que Baara não tenha tido filhos registrados com Shaharaim na passagem, sua existência como esposa legítima (ainda que divorciada) de um membro da tribo de Benjamim a conecta à história do pacto. A inclusão de seu nome, mesmo que posteriormente "despedida", sublinha a natureza abrangente dos registros do Cronista, que visavam documentar a história completa da família de Israel.
4.2 Conexão com temas teológicos centrais
A menção de Baara e o divórcio de Shaharaim levantam questões sobre o casamento e o divórcio no Antigo Testamento. Embora Deus tenha permitido o divórcio devido à dureza do coração humano (Mateus 19:8), Ele expressou Seu desgosto por ele (Malaquias 2:16). A narrativa de Crônicas apenas registra o fato, sem moralizar, o que é típico das genealogias que priorizam o registro factual da linhagem.
A soberania de Deus é evidente mesmo em circunstâncias humanas complexas e imperfeitas, como o divórcio. A despeito das falhas e decisões humanas, Deus continua a trabalhar Seus propósitos através das famílias e da nação de Israel. A preservação da linhagem de Benjamim, mesmo com seus desafios internos, aponta para a fidelidade de Deus à Sua aliança.
A figura de Baara também destaca a importância de cada indivíduo na providência divina. Embora não haja tipologia cristocêntrica direta para Baara, sua presença nas genealogias nos lembra que Deus valoriza cada vida. A ausência de uma história pessoal detalhada não diminui o fato de que ela foi uma pessoa real, parte da história de Israel.
Para a teologia evangélica, a inclusão de nomes menos proeminentes nas genealogias reforça a verdade de que a história da salvação é construída não apenas sobre os grandes heróis da fé, mas também sobre as vidas de pessoas comuns. Deus usa a totalidade da experiência humana, incluindo os desafios e as rupturas familiares, para avançar Seu plano redentor.
5. Legado bíblico-teológico e referências canônicas
O legado de Baara é quase inteiramente contido na única referência em 1 Crônicas 8:8. Ela não é mencionada em nenhum outro livro bíblico, nem no Antigo nem no Novo Testamento. Consequentemente, não há contribuições literárias atribuídas a ela, nem ela tem um papel direto na formação de doutrinas ou ensinamentos específicos.
No entanto, a existência de Baara, ou a ambiguidade em torno de seu nome, tem uma influência indireta na teologia bíblica e na tradição interpretativa. A principal discussão em torno de Baara na literatura exegética judaica e cristã tem sido sobre se "Baara" é um nome próprio ou um substantivo comum que descreve as esposas de Shaharaim.
Comentaristas evangélicos, como Keil e Delitzsch em seu Commentary on the Old Testament, discutem a dificuldade textual e a interpretação de בַּעֲרָה. Eles tendem a ver a dificuldade como uma indicação de que não é um nome próprio, mas uma descrição. Por outro lado, comentaristas mais antigos, como Matthew Henry, seguindo a KJV, tratam Baara como um nome de pessoa, embora sem atribuir-lhe qualquer significado além de ser uma das esposas de Shaharaim.
A teologia reformada e evangélica valoriza a precisão exegética e a autoridade da Escritura. O caso de Baara ilustra os desafios da interpretação de textos genealógicos e a importância de consultar as línguas originais e a erudição bíblica. A ambiguidade serve como um lembrete da humildade necessária na interpretação bíblica, reconhecendo as limitações do conhecimento humano e a soberania de Deus sobre a revelação.
A presença de Baara no cânon bíblico, mesmo que mínima, reforça a importância das genealogias para a compreensão da história de Israel e da preparação para a vinda de Cristo. Elas estabelecem a identidade do povo da aliança e a continuidade da promessa divina, mesmo através de vidas que parecem marginais ou enigmáticas. O Cronista, ao incluir tais detalhes, assegura que a história completa de Israel, com todas as suas complexidades familiares, seja registrada para as gerações futuras.
Em suma, Baara é um testemunho da riqueza e, por vezes, do mistério da Palavra de Deus. Sua figura, embora brevemente mencionada, convida a uma reflexão sobre a fidelidade divina em meio à fragilidade humana e a importância de cada elo na vasta corrente da história da salvação, que culmina gloriosamente em Jesus Cristo.