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Significado de Besta

1. Etimologia e raízes da Besta no Antigo Testamento

A compreensão do termo bíblico Besta requer uma profunda análise de suas raízes etimológicas e contextuais no Antigo Testamento. Embora a palavra portuguesa "besta" possa evocar simplesmente um animal selvagem, sua conotação bíblica, especialmente em contextos proféticos, transcende o significado literal. As Escrituras hebraicas utilizam diversas palavras que contribuem para a complexidade e o desenvolvimento do conceito que culminaria na figura apocalíptica da Besta.

Entre as palavras hebraicas relevantes, destacam-se behemah (בְּהֵמָה), que geralmente se refere a animais domésticos ou gado, mas que em alguns contextos pode denotar animais de grande porte; e chayyah (חַיָּה), que se aplica a animais selvagens, criaturas vivas em geral, e é a mais próxima em sentido de "animal selvagem" ou "fera". Em passagens proféticas, chayyah é frequentemente usada para simbolizar nações ou poderes políticos.

O contexto do uso dessas palavras no Antigo Testamento é multifacetado. Em narrativas como a da criação, animais são parte da ordem divina (Gênesis 1:24-25), mas após a Queda, a relação entre humanidade e animais é alterada, e a natureza selvagem passa a ser vista também como uma ameaça. A Lei Mosaica, por sua vez, diferencia entre animais puros e impuros, estabelecendo limites para a interação e o consumo, o que reflete a ideia de ordem versus desordem, pureza versus contaminação.

No entanto, é na literatura profética e sapiencial que o conceito de Besta ganha maior profundidade teológica. Nos profetas, especialmente em Daniel, animais selvagens são empregados como símbolos de impérios mundiais poderosos e opressores que se levantam contra o povo de Deus. O livro de Daniel descreve quatro grandes Bestas emergindo do mar, representando os impérios Babilônico, Medo-Persa, Grego e Romano (Daniel 7:3-7).

Estas Bestas são caracterizadas por sua ferocidade, poder destrutivo e oposição ao domínio do "Ancião de Dias" e do "Filho do Homem". Elas manifestam o poder político e militar, muitas vezes com um caráter blasfemo e perseguidor contra os santos de Deus. Este uso simbólico estabelece um precedente crucial para a compreensão da Besta no Novo Testamento, indicando que ela representa forças políticas e espirituais que se opõem ao Reino de Deus.

A manifestação e compreensão do conceito no pensamento hebraico, portanto, evolui de um animal literal para uma entidade simbólica de poder opressor e ímpio. A Besta representa a antítese da soberania de Deus, um poder que busca dominar e destruir, muitas vezes com um componente sobrenatural ou demoníaco. Exemplos bíblicos concretos incluem o Leviatã e Behemoth em Jó e Salmos, criaturas que simbolizam o caos e o poder incontrolável, desafiando a ordem divina (Jó 40:15-41:34; Salmos 74:13-14).

O desenvolvimento progressivo da revelação no Antigo Testamento mostra que a Besta não é apenas uma ameaça física, mas uma representação da rebelião contra Deus e de sistemas mundiais que se erguem em auto-suficiência e hostilidade à verdade divina. Essa base no Antigo Testamento é essencial para desvendar o significado mais pleno da Besta na escatologia do Novo Testamento.

2. A Besta no Novo Testamento e seu significado

No Novo Testamento, o termo Besta assume uma conotação eschatológica e apocalíptica muito mais pronunciada, sendo a palavra grega predominante para designá-la thērion (θηρίον). Embora thērion possa significar simplesmente "animal selvagem" em alguns contextos, como em Marcos 1:13, onde Jesus está "entre as Bestas selvagens" no deserto, seu uso mais impactante e teologicamente carregado ocorre no livro do Apocalipse.

No Apocalipse, thērion é usado cerca de 38 vezes para descrever duas figuras centrais na narrativa do fim dos tempos: a Besta que emerge do mar (Apocalipse 13:1) e a Besta que emerge da terra (Apocalipse 13:11), também conhecida como o Falso Profeta. A Besta do mar é uma figura de poder político e militar, com dez chifres e sete cabeças, adornada com coroas e nomes blasfemos, recebendo seu poder do dragão (Satanás). Ela é a personificação do sistema mundial anti-Deus.

A Besta da terra, por sua vez, possui dois chifres como cordeiro, mas fala como dragão. Ela exerce toda a autoridade da primeira Besta e engana a humanidade para adorar a primeira Besta, realizando grandes sinais e prodígios. Esta segunda Besta representa o poder religioso e propagandístico que promove a adoração da primeira Besta e impõe sua marca.

O significado teológico de thērion no Novo Testamento, especialmente em Apocalipse, é o de uma entidade poderosa, maligna e demoníaca, que se opõe diretamente a Deus e a Seu povo. Ela é a antítese do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo. Enquanto Cristo é manso e sacrificial, a Besta é violenta e opressora. A Besta do mar é descrita com uma ferida mortal que foi curada (Apocalipse 13:3), uma imitação satânica da morte e ressurreição de Cristo, buscando enganar o mundo.

A relação específica da Besta com a pessoa e obra de Cristo é de total antagonismo e falsificação. A Besta busca usurpar a adoração que pertence somente a Deus, exigir lealdade absoluta e perseguir os fiéis de Cristo. Ela é o instrumento principal de Satanás para estabelecer um reino terrestre que se opõe ao Reino de Deus, buscando desviar a humanidade da verdade e da salvação.

Há uma clara continuidade com o Antigo Testamento, especialmente com as visões de Daniel. A Besta do Apocalipse é uma intensificação e culminação dos poderes opressores simbolizados pelas Bestas de Daniel. Os mesmos atributos de blasfêmia, perseguição e oposição a Deus são evidentes. Contudo, há também uma descontinuidade, pois a Besta do Novo Testamento é uma figura escatológica final, diretamente ligada ao anticristo e ao clímax da história da salvação.

Ela representa não apenas impérios passageiros, mas o sistema mundial de rebelião contra Deus em sua forma final e mais virulenta, sob a direta influência satânica. A Besta é, portanto, um símbolo da apostasia final e da manifestação máxima da maldade humana e demoníaca antes do retorno de Cristo.

3. As forças da Besta na teologia paulina: a oposição à salvação e ao Reino de Deus

Embora o apóstolo Paulo não utilize o termo thērion (θηρίον) no mesmo sentido apocalíptico e personificado que João em Apocalipse, suas epístolas abordam extensivamente as forças e princípios que a Besta representa: a oposição ao evangelho, a rebelião contra Deus e a manifestação da impiedade no mundo. Paulo descreve um conflito cósmico e espiritual que é a essência da luta contra o que a Besta encarna.

Nas cartas paulinas, especialmente em Romanos, Gálatas e Efésios, o apóstolo expõe a doutrina da salvação (ordo salutis) e, ao mesmo tempo, revela as forças que se opõem a ela. Paulo fala de "principados e potestades" (Efésios 6:12), "dominadores deste mundo tenebroso" e "forças espirituais do mal nas regiões celestes", que são as manifestações demoníacas e sistêmicas que operam contra a igreja e o plano de Deus.

Essas forças malignas, que estão alinhadas com o espírito da Besta, buscam desviar a humanidade da verdadeira fé e da obediência a Cristo. Paulo alerta sobre o "mistério da iniquidade" que já opera (2 Tessalonicenses 2:7) e que culminará na manifestação do "homem da iniquidade", o "filho da perdição" (2 Tessalonicenses 2:3), uma figura que se assemelha em propósito e ação ao Anticristo e à Besta apocalíptica. Este "homem da iniquidade" se oporá e se exaltará sobre tudo o que se chama Deus, buscando adoração.

O contraste com as obras da Lei e o mérito humano é fundamental aqui. A salvação pela graça através da fé em Cristo (Efésios 2:8-9) é a única via para escapar da condenação e do domínio dessas forças malignas. A Besta e seus agentes representam a busca por uma salvação ou segurança baseada em obras humanas, auto-justiça ou lealdade a um sistema mundano, em vez de depender da obra redentora de Cristo.

A relação com a justificação é que Cristo nos justifica livremente pela Sua graça, libertando-nos do poder do pecado e da morte, que são as ferramentas usadas pelas forças da Besta para manter a humanidade cativa (Romanos 3:24; 8:1-2). Quanto à santificação, o crente é chamado a lutar contra o pecado e as influências malignas do mundo, que são manifestações do espírito da Besta. Paulo exorta a "revestir-se de toda a armadura de Deus" para resistir "às ciladas do diabo" (Efésios 6:11).

Finalmente, a glorificação é a consumação da vitória de Cristo sobre todas as forças da Besta. Paulo afirma que Cristo despojou os principados e potestades, triunfando sobre eles na cruz (Colossenses 2:15). A glorificação do crente é a garantia da participação na vitória final de Cristo, quando todo inimigo será posto debaixo de Seus pés e as forças da Besta serão completamente aniquiladas.

As implicações soteriológicas centrais são que a salvação em Cristo é a libertação do domínio de Satanás e de todas as suas manifestações, incluindo as que a Besta representa. É um chamado à fidelidade a Cristo, reconhecendo que a verdadeira autoridade e soberania pertencem somente a Ele, e não a qualquer poder terreno ou espiritual que se oponha a Ele.

4. Aspectos e tipos da Besta

A figura da Besta, conforme revelada nas Escrituras, particularmente em Apocalipse, apresenta diferentes manifestações e facetas que demandam uma cuidadosa distinção teológica. A interpretação desses "tipos" da Besta tem sido objeto de intenso debate na história da teologia, especialmente na tradição reformada.

As Escrituras descrevem primariamente duas Bestas em Apocalipse 13: a Besta que emerge do mar e a Besta que emerge da terra. A Besta do mar é amplamente interpretada como um poder político-militar, um império mundial que se opõe a Deus, blasfema contra Ele e persegue Seu povo. Ela é a personificação do poder estatal que se diviniza e exige adoração, recebendo sua autoridade diretamente de Satanás.

A Besta da terra, ou Falso Profeta, é um poder religioso-cultural, que engana as massas com sinais e prodígios, promovendo a adoração da primeira Besta e impondo sua marca. Esta segunda Besta representa a falsa religião, a propaganda enganosa e o controle ideológico que servem ao sistema anti-Deus. Em conjunto, elas formam uma trindade satânica, em oposição à Santíssima Trindade, com o Dragão (Satanás), a Besta (Anticristo) e o Falso Profeta.

As distinções teológicas relevantes incluem as diferentes abordagens interpretativas: preterista (eventos já cumpridos no primeiro século), historicista (cumprimento ao longo da história da igreja), futurista (cumprimento em um período futuro de tribulação) e idealista (simbolismo atemporal do conflito entre o bem e o mal). A perspectiva reformada frequentemente inclinou-se para uma combinação de historicismo e idealismo, vendo a Besta como um princípio contínuo de oposição a Cristo manifestado em diversos sistemas e poderes ao longo da história, culminando em uma manifestação final.

Na história da teologia reformada, figuras como Martinho Lutero e João Calvino identificaram o Papado medieval com a figura do Anticristo e, por extensão, com o espírito da Besta, não necessariamente como um indivíduo específico, mas como um sistema eclesiástico que usurpava a autoridade de Cristo e perseguia os verdadeiros crentes. Esta interpretação reflete a compreensão da Besta como um poder que deturpa a verdade e o culto a Deus.

A Besta está intrinsecamente relacionada a outros conceitos doutrinários correlatos, como o Anticristo (1 João 2:18; 4:3), Babilônia, a Grande Prostituta (Apocalipse 17), e as forças da iniquidade. Todos esses termos descrevem diferentes facetas do grande sistema de rebelião contra Deus que se manifesta em poderes políticos, econômicos, religiosos e ideológicos que buscam desviar a humanidade da adoração ao Criador.

É crucial evitar erros doutrinários como a especulação excessiva e a fixação em identificar a Besta com indivíduos ou datas específicas de forma dogmática. Tal abordagem pode desviar a atenção do verdadeiro propósito profético, que é alertar os crentes sobre a natureza do mal, exortá-los à vigilância e à fidelidade a Cristo, e lembrá-los da soberania final de Deus sobre todas as forças malignas.

A Besta representa o ápice da rebelião humana e demoníaca, mas também serve para sublinhar a glória e a vitória final de Cristo, que é o Cordeiro que vence a Besta e seus seguidores (Apocalipse 17:14).

5. A Besta e a vida prática do crente

A doutrina da Besta, embora apocalíptica e escatológica, possui profundas implicações para a vida prática do crente, moldando sua piedade, adoração e serviço. Longe de ser um mero objeto de especulação, a compreensão da Besta e de suas manifestações serve como um alerta e um chamado à fidelidade inabalável a Cristo em um mundo hostil.

A primeira aplicação prática é a necessidade de discernimento espiritual. Os crentes são exortados a testar os espíritos (1 João 4:1), pois o espírito do Anticristo, que anima a Besta, já está no mundo. Isso implica uma vigilância constante contra ideologias, filosofias e sistemas que se opõem à verdade de Cristo, mesmo que se apresentem de forma sedutora ou aparentemente benéfica.

A Besta exige adoração e lealdade, simbolizadas pela sua marca. A recusa em adorar a Besta e receber sua marca é uma questão central de responsabilidade pessoal e obediência a Deus (Apocalipse 14:9-12). Isso se traduz na vida do crente como a recusa em comprometer sua fé por conveniência, segurança ou benefício material. Significa que a lealdade a Cristo deve ser absoluta, acima de qualquer lealdade a poderes terrenos ou sistemas mundanos.

A doutrina da Besta molda a piedade do crente ao lembrá-lo da seriedade da batalha espiritual e da necessidade de santidade. A adoração é direcionada somente a Deus, o Criador, e ao Cordeiro, Jesus Cristo (Apocalipse 14:7). A recusa em adorar a Besta é um ato de adoração ao Deus verdadeiro, um testemunho de Sua soberania e glória. Isso implica que não devemos nos curvar a nenhuma forma de idolatria moderna, seja o materialismo, o nacionalismo extremo, o culto ao eu ou qualquer sistema que busque usurpar o lugar de Deus em nossos corações.

No serviço cristão, a compreensão da Besta inspira resiliência e coragem diante da perseguição. Os santos são aqueles que "guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus" (Apocalipse 14:12), mesmo em face da oposição e do sofrimento impostos pelas forças da Besta. Isso encoraja o crente a persistir na proclamação do evangelho, na prática da justiça e no cuidado com o próximo, mesmo quando confrontado com a hostilidade do mundo.

Para a igreja contemporânea, as implicações são profundas. A igreja é chamada a ser uma voz profética, denunciando a injustiça, a opressão e a blasfêmia, que são as marcas do espírito da Besta em qualquer época. Ela deve resistir à conformidade com o mundo (Romanos 12:2) e manter-se pura, sem a mancha de Babilônia. A igreja não deve buscar o poder ou a aceitação do mundo a qualquer custo, mas sim a fidelidade a Cristo.

As exortações pastorais baseadas no termo Besta incluem o chamado à perseverança na fé, à paciência em meio à tribulação e à esperança inabalável no retorno de Cristo. Os crentes são encorajados a não temerem aqueles que podem matar o corpo, mas não a alma (Mateus 10:28), e a lembrarem-se de que a vitória final pertence ao Cordeiro (Apocalipse 17:14).

É essencial manter um equilíbrio entre a doutrina e a prática. A doutrina da Besta não deve levar ao medo paralisante ou à especulação ociosa, mas sim a uma fé ativa, uma vida de santidade e um testemunho corajoso, fundamentados na certeza da vitória de Cristo e na esperança de Sua vinda gloriosa. O crente é chamado a viver como cidadão do Reino de Deus, mesmo enquanto peregrina em um mundo sob a influência da Besta.