Significado de Galinha
1. Etimologia e raízes no Antigo Testamento
A busca por um termo teológico profundo para Galinha no Antigo Testamento revela uma ausência de uso direto como conceito doutrinário. Diferente de animais como o cordeiro, que possui um rico simbolismo sacrificial e messiânico, a Galinha não é um animal central nas narrativas, na lei ou na literatura profética de Israel. No entanto, o Antigo Testamento oferece um pano de fundo conceitual para a imagem que Jesus mais tarde empregaria, através da linguagem figurada de proteção e cuidado divino, frequentemente associada a aves.
As Escrituras hebraicas utilizam termos genéricos para aves, como tsippor (צִפּוֹר), que se refere a pássaros em geral, e oph (עוֹף), que abrange qualquer criatura voadora. Embora não haja uma palavra hebraica específica amplamente reconhecida como "galinha" no sentido moderno, o ambiente agrícola e doméstico do antigo Israel certamente incluía aves domésticas. A Lei Mosaica, por exemplo, diferenciava entre aves limpas e impuras, embora a Galinha em si não seja explicitamente nomeada entre as aves a serem sacrificadas, como as rolas ou pombos (Levítico 1:14).
A compreensão do cuidado divino no pensamento hebraico é frequentemente expressa através de metáforas aviárias. Salmos como Salmo 17:8 e Salmo 91:4 invocam a imagem de Deus protegendo Seu povo "à sombra de Suas asas", ou "com Suas penas", "debaixo de Suas asas". Esta linguagem evoca uma imagem de refúgio, segurança e cuidado maternal/paternal que é fundamental para a teologia de Israel. Embora não seja a Galinha especificamente, a figura de uma ave que abriga seus filhotes já estava presente na cosmovisão judaica como um símbolo de proteção e provisão divina.
O desenvolvimento progressivo da revelação no Antigo Testamento prepara o terreno para a compreensão da natureza protetora de Deus. Desde a provisão de alimento no deserto (Êxodo 16) até a promessa de restauração e cuidado para com o Seu povo disperso (Isaías 49:15-16), a imagem de um Deus que zela por Seus filhos com ternura e vigilância é constante. A ausência de uma referência direta à Galinha não diminui a relevância do conceito de cuidado divino que esta figura viria a personificar no Novo Testamento. Pelo contrário, a metáfora da ave protetora estabelece um precedente para a compreensão do amor e da solicitude de Deus.
Em suma, enquanto a Galinha não emerge como um termo teológico distinto no Antigo Testamento, o cenário cultural e a linguagem figurada das Escrituras hebraicas pavimentam o caminho para a sua poderosa utilização metafórica por Jesus. A imagem de um Deus que anseia em abrigar e proteger Seu povo sob Suas asas é uma das mais tenras e persistentes no pensamento judaico, antecipando a plena revelação do amor divino em Cristo.
2. Galinha no Novo Testamento e seu significado
No Novo Testamento, a Galinha emerge, de forma surpreendente e profundamente significativa, em uma das mais pungentes lamentações de Jesus Cristo. A palavra grega utilizada é ornis (ὄρνις), que significa "pássaro" ou "ave", e no contexto de Mateus 23:37 e Lucas 13:34, é empregada especificamente para descrever uma "galinha" ou "mãe galinha" que ajunta seus pintinhos. Este é o uso mais proeminente e teologicamente carregado do termo nas Escrituras.
O significado literal da Galinha neste contexto é o de uma ave doméstica que, por instinto natural, oferece proteção e abrigo aos seus filhotes. Teologicamente, Jesus eleva essa imagem corriqueira a uma metáfora sublime do Seu próprio amor, cuidado e desejo ardente de ajuntar e proteger o povo de Jerusalém. Ele lamenta a recusa da cidade em aceitar Sua proteção, comparando-a à recusa dos pintinhos em se abrigarem sob as asas da mãe Galinha, que os protegeria de perigos e intempéries.
Nos Evangelhos Sinópticos, a passagem é idêntica em Mateus 23:37 e Lucas 13:34: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não quisestes!" Esta declaração é crucial para entender a natureza de Cristo. Ela revela não apenas Sua divindade e autoridade, mas também Sua humanidade compassiva e Seu coração quebrantado pela rejeição.
A relação específica com a pessoa e obra de Cristo é multifacetada. Primeiro, ela sublinha a soberania de Jesus como Aquele que anseia por reunir e proteger Seu povo. Segundo, demonstra a profundidade de Seu amor e compaixão, um amor que se estende mesmo àqueles que O rejeitam. Terceiro, a metáfora da Galinha e seus pintinhos ilustra a provisão de segurança e refúgio que Cristo oferece a todos que vêm a Ele. Ele é o abrigo contra as tempestades da vida e as consequências do pecado.
A continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento é evidente na forma como Jesus se apropria de uma imagem de proteção divina já presente nas Escrituras hebraicas (como visto nos Salmos 17 e 91) e a personifica em Si mesmo. Ele não é apenas um mensageiro de Deus; Ele é o próprio Deus que se manifesta em carne, oferecendo o refúgio divino de forma palpável. A descontinuidade reside na clareza e na intensidade da revelação: o que era uma imagem poética de Deus no AT torna-se uma declaração pessoal e comovente do próprio Messias no NT, com implicações diretas para a salvação e a condenação.
Em outras literaturas do Novo Testamento, como as epístolas paulinas ou a literatura joanina, a Galinha não é mencionada diretamente. No entanto, o espírito de proteção, amor e o chamado ao refúgio em Cristo, que a metáfora da Galinha tão vividamente expressa, é um tema central em toda a teologia do Novo Testamento. A imagem da Galinha se torna, assim, um símbolo eloquente do coração pastoral e redentor de Jesus.
3. Galinha na teologia paulina: a base da salvação
Apesar de a Galinha não ser um termo mencionado explicitamente nas cartas paulinas, a profunda metáfora de Jesus em Mateus 23:37 e Lucas 13:34 ressoa com os temas centrais da teologia de Paulo, especialmente no que tange à doutrina da salvação. A imagem de Cristo como a Galinha que anseia ajuntar Seus filhos sob Suas asas reflete o caráter de Deus revelado por Paulo: um Deus de amor, paciência e desejo redentor que oferece abrigo e salvação.
Paulo detalha o ordo salutis (ordem da salvação) em suas epístolas, e a metáfora da Galinha pode ser vista como uma ilustração vívida da oferta divina de salvação. A iniciativa de ajuntar os pintinhos parte da mãe Galinha; da mesma forma, a salvação é inteiramente uma iniciativa divina. Deus, em Cristo, estende Seu convite e Sua proteção à humanidade pecadora, não por mérito humano, mas por Sua graça soberana. Isso se alinha perfeitamente com a doutrina paulina da salvação pela graça mediante a fé, e não por obras da Lei (Efésios 2:8-9).
O contraste com as obras da Lei e o mérito humano é fundamental. A Galinha não exige que os pintinhos realizem algo para serem abrigados; ela simplesmente oferece o refúgio. Da mesma forma, Paulo argumenta que a justificação não é alcançada por meio de rituais ou observância da Lei, mas pela fé em Cristo Jesus (Romanos 3:28, Gálatas 2:16). A recusa de Jerusalém em ser ajuntada por Jesus pode ser vista como uma alegoria da tentativa humana de estabelecer sua própria justiça, rejeitando a oferta gratuita de Deus em Cristo.
A metáfora da Galinha também se conecta com a justificação, santificação e glorificação. A justificação é o ato de Deus declarar o pecador justo com base na obra de Cristo, um abrigo sob as asas da justiça divina. A santificação, o processo contínuo de ser conformado à imagem de Cristo, é vivido sob a proteção e direção daquele que nos ajuntou. A glorificação é a consumação final dessa proteção, quando seremos plenamente e eternamente abrigados na presença de Deus, livres de todo perigo e pecado.
As implicações soteriológicas centrais são claras: a salvação é um ato de amor e provisão unilateral de Deus. A rejeição dessa provisão resulta em condenação, enquanto a aceitação leva à segurança e à vida eterna. A tristeza de Jesus ao lamentar por Jerusalém, que se recusou a ser ajuntada, reflete a tristeza de Deus pela desobediência e pela incredulidade, mesmo enquanto Ele continua a estender a mão salvadora. A teologia paulina ecoa essa realidade, enfatizando a seriedade do evangelho e a necessidade de arrependimento e fé.
Em resumo, embora Paulo não use a imagem da Galinha, a essência do que Jesus expressou com essa metáfora – o amor compassivo de Deus, a oferta de proteção e salvação, a tristeza pela rejeição e a centralidade de Cristo como o único refúgio – permeia toda a sua teologia. A imagem da Galinha serve como uma poderosa ilustração do coração de Deus que Paulo tão eloquentemente descreve em suas cartas.
4. Aspectos e tipos de Galinha
Quando consideramos a Galinha como um conceito teológico, não estamos falando de diferentes espécies de aves, mas sim das diversas facetas e implicações da metáfora empregada por Jesus em Mateus 23:37 e Lucas 13:34. Esta metáfora, embora única em sua ocorrência, revela múltiplos aspectos do caráter divino e da relação de Deus com a humanidade.
4.1. A Galinha como símbolo da compaixão divina
O aspecto mais evidente da Galinha na teologia é a sua representação da profunda compaixão e amor de Deus. A mãe Galinha demonstra um instinto inato de sacrifício e proteção, colocando-se entre seus pintinhos e qualquer ameaça. Jesus, ao usar essa imagem, revela a intensidade de Seu próprio amor e desejo de proteger Seu povo, mesmo diante da iminente destruição de Jerusalém. Este amor compassivo é uma faceta essencial da natureza de Deus, conforme articulado por teólogos como João Calvino, que enfatizou a providência e o cuidado paternal de Deus por toda a Sua criação e, especialmente, por Seu povo.
4.2. A Galinha como símbolo do refúgio e da segurança
As asas da Galinha oferecem um refúgio seguro para os pintinhos. Este aspecto simboliza a segurança e a proteção que são encontradas somente em Cristo. No contexto evangélico reformado, a doutrina da perseverança dos santos, por exemplo, reflete essa segurança: aqueles que estão "sob as asas" de Cristo são guardados por Seu poder (João 10:28-29). A imagem fala da suficiência de Cristo para abrigar Seu povo de todo mal, seja ele o pecado, a morte ou o juízo vindouro.
4.3. A Galinha como símbolo da soberania e do convite divino
A iniciativa de ajuntar os pintinhos parte da Galinha. Da mesma forma, a salvação é uma obra soberana de Deus. Jesus estende o convite, mas a resposta é deixada à liberdade humana. A tristeza de Jesus ("e vós não quisestes") sublinha a tragédia da rejeição humana à oferta divina. Este aspecto aborda a tensão entre a soberania divina e a responsabilidade humana, um tema recorrente na teologia reformada. Deus convida, mas não força a aceitação, lamentando a recusa.
4.4. A Galinha como símbolo da vulnerabilidade humana e da necessidade de Deus
Os pintinhos são frágeis e incapazes de se defender. Eles dependem inteiramente da mãe Galinha para sua sobrevivência. Esta imagem ressalta a vulnerabilidade da humanidade diante do pecado e do juízo divino, e nossa total dependência de Cristo para a salvação e proteção. É a nossa incapacidade que nos leva a buscar refúgio, e a metáfora da Galinha ilustra a prontidão de Cristo em oferecer esse refúgio.
Erros doutrinários a serem evitados incluem a ideia de que a salvação é algo que podemos alcançar por nossos próprios méritos (pelagianismo) ou que Deus é indiferente à escolha humana. A metáfora da Galinha, ao mesmo tempo que demonstra o amor e a oferta divina, também enfatiza a responsabilidade de responder a esse convite. A teologia reformada, através de figuras como Martinho Lutero e João Calvino, sempre sublinhou a incapacidade humana de se salvar e a necessidade da graça soberana de Deus, mas também a realidade da vontade humana em rejeitar essa graça.
5. Galinha e a vida prática do crente
A metáfora da Galinha e seus pintinhos, proferida por Jesus, transcende a mera descrição de um evento histórico e oferece profundas aplicações práticas para a vida do crente. Ela molda nossa piedade, adoração e serviço, e nos convida a uma resposta de fé e obediência.
5.1. Refúgio e confiança em Cristo
A imagem da Galinha ajuntando seus pintinhos inspira uma confiança inabalável na proteção de Cristo. Crentes são chamados a buscar refúgio n'Ele, especialmente em tempos de adversidade, tentação ou perigo espiritual. Assim como os pintinhos correm para as asas de sua mãe, devemos correr para Cristo, crendo que Ele é o nosso abrigo seguro (Salmo 46:1). Essa confiança se manifesta na oração, na leitura da Palavra e na comunhão com a igreja.
5.2. Adoção e pertencimento
A metáfora também fala de adoção e pertencimento. Ao nos abrigarmos sob as asas de Cristo, somos incorporados à Sua família, tornando-nos Seus "pintinhos". Isso gera um senso de identidade e segurança em nossa filiação divina (Gálatas 4:5-7). A vida prática do crente é vivida na certeza de ser amado, cuidado e guardado pelo próprio Senhor Jesus, o que deve gerar gratidão e alegria constantes.
5.3. Responsabilidade e obediência
Embora a oferta de proteção da Galinha seja incondicional em seu amor, a segurança dos pintinhos depende de sua disposição em se abrigar. Da mesma forma, a vida cristã exige uma resposta de fé e obediência. Não podemos simplesmente ignorar o convite de Cristo e esperar ser protegidos. A responsabilidade pessoal envolve uma submissão voluntária ao Senhorio de Cristo e aos Seus mandamentos (João 14:15). Charles Spurgeon frequentemente exortava os crentes a se refugiarem plenamente em Cristo, enfatizando que a fé ativa e a obediência são a resposta natural a tal amor protetor.
5.4. Piedade, adoração e serviço
A compreensão do amor protetor de Cristo, simbolizado pela Galinha, deve aprofundar nossa piedade. Leva-nos a uma vida de reverência e gratidão. Nossa adoração se torna mais autêntica ao reconhecermos a grandeza de Aquele que nos oferece refúgio. No serviço, somos chamados a imitar esse cuidado compassivo de Cristo, estendendo a mão aos vulneráveis e necessitados, e convidando outros a encontrar refúgio nas asas do Salvador. A igreja, como corpo de Cristo, é chamada a ser um lugar de abrigo e cuidado, refletindo a solicitude do Senhor.
5.5. Implicações para a igreja contemporânea e exortações pastorais
Para a igreja contemporânea, a imagem da Galinha serve como um lembrete poderoso do coração evangelístico e pastoral de Cristo. A igreja deve ser um lugar onde o convite de Cristo para o refúgio é proclamado claramente e onde os "pintinhos" (novos convertidos, os fracos na fé) são cuidados e protegidos. Pastores, como líderes do rebanho, são chamados a encarnar o espírito da mãe Galinha, zelando por aqueles sob seus cuidados, oferecendo direção e proteção espiritual. Martyn Lloyd-Jones, por exemplo, enfatizava a necessidade de pastores demonstrarem um amor e cuidado genuínos por suas congregações, guiando-as e protegendo-as da mesma forma que Cristo faz.
O equilíbrio entre doutrina e prática é crucial. A doutrina do amor protetor de Cristo, ilustrada pela Galinha, não é meramente uma verdade teórica, mas um chamado à ação. Convida-nos a viver uma vida de fé ativa, buscando a Cristo como nosso refúgio, expressando gratidão em adoração e imitando Seu amor compassivo no serviço ao próximo e na proclamação do Evangelho. É uma exortação a permanecer sob as Suas asas, onde há segurança, amor e vida abundante (João 10:10).