Significado de Ibéria
A localidade de Ibéria, embora seja uma região de grande relevância histórica e geográfica no mundo antigo e moderno, não é mencionada explicitamente nos textos canônicos da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) ou do Novo Testamento. A Península Ibérica, que corresponde à região da Ibéria, situa-se no extremo sudoeste da Europa e compreende os territórios das atuais Espanha e Portugal. Sua ausência direta nas Escrituras não diminui a soberania de Deus sobre esta terra, mas reflete o escopo geográfico e os focos narrativos específicos da revelação bíblica, que se concentram principalmente no Crescente Fértil, Egito, Anatólia, Grécia e Itália.
Contudo, a região que viria a ser conhecida como Ibéria é tangencialmente conectada a discussões bíblico-teológicas através de referências a "Tarshish" (תרשיש, Tarshish) e ao conceito de "fins da terra" (אפסי ארץ, afsei erets; ἔσχατον τῆς γῆς, eschaton tēs gēs). A tradição e algumas interpretações históricas e geográficas posteriores à Bíblia frequentemente associam Tarshish, um local distante e rico em recursos, com a Península Ibérica, particularmente com a antiga Tartessos. Além disso, a intenção do Apóstolo Paulo de pregar o evangelho na Espanha (Romanos 15:24, 28) estabelece uma conexão teológica crucial com esta região, mesmo sem nomear Ibéria diretamente.
Esta análise abordará a Ibéria sob a perspectiva protestante evangélica, reconhecendo a ausência do nome nos textos canônicos, mas explorando as conexões indiretas, os conceitos bíblicos que poderiam abranger esta região e sua relevância teológica no plano redentor de Deus, especialmente no contexto da missão global da igreja.
1. Etimologia e significado do nome
O nome Ibéria não possui uma etimologia hebraica, aramaica ou grega bíblica, pois não aparece nas Escrituras. Sua origem é classicamente atribuída aos povos que habitavam a Península Ibérica na antiguidade. Uma das teorias mais aceitas sugere que o nome deriva do rio Ebro (em latim, Iberus), o segundo maior rio da península, que era conhecido pelos gregos antigos como Ibēr (Ἴβηρ).
Os povos que viviam nas proximidades deste rio e, por extensão, na costa leste da península, foram chamados de "iberos" pelos gregos. A designação "Ibéria" (Ἰβηρία, Ibēría) passou a ser usada por historiadores e geógrafos greco-romanos, como Hecateu de Mileto e Heródoto, para se referir à península como um todo, distinguindo-a de outras regiões mediterrâneas.
Em termos de significado literal, o nome Ibéria não carrega uma conotação religiosa ou simbólica intrínseca derivada de um contexto bíblico. É primariamente uma designação geográfica e étnica. No entanto, sua associação com o rio Ebro e os povos iberos indica uma identidade regional bem definida no mundo antigo, embora fora do foco principal da narrativa bíblica.
É fundamental distinguir Ibéria de "Tarshish" (תרשיש, Tarshish), um nome bíblico que aparece em várias passagens do Antigo Testamento. Embora alguns comentaristas e historiadores, especialmente a partir da Antiguidade Tardia e Idade Média, tenham proposto a identificação de Tarshish com Tartessos, um reino antigo na Península Ibérica, essa é uma associação pós-bíblica e debatida, não uma identificação explícita nas Escrituras. A etimologia de Tarshish é incerta, possivelmente ligada a uma raiz semítica ou a um nome próprio de uma cidade ou povo, mas não diretamente relacionada a Ibéria.
Portanto, a significância do nome Ibéria no contexto cultural e religioso bíblico é inexistente, uma vez que o nome em si não faz parte do léxico sagrado. Sua relevância surge apenas quando se considera a região geograficamente e suas possíveis, porém indiretas, conexões com o mundo bíblico através de outras localidades ou conceitos.
2. Localização geográfica e características físicas
A Península Ibérica, conhecida na antiguidade como Ibéria, é uma vasta extensão de terra localizada no sudoeste da Europa, fazendo fronteira com a França a nordeste e cercada pelo Oceano Atlântico a oeste e norte, e pelo Mar Mediterrâneo a leste e sul. Sua posição geográfica estratégica, na confluência do Mediterrâneo com o Atlântico e próxima ao Estreito de Gibraltar, a tornou um ponto de contato entre diferentes culturas e civilizações ao longo da história.
A topografia da Ibéria é marcada por um planalto central (a Meseta Central) rodeado por cadeias montanhosas significativas, como os Pireneus a nordeste, o Sistema Central e os Montes de Toledo no interior, e as Cordilheiras Béticas no sul. A presença de rios importantes como o Tejo, Douro, Guadiana e Ebro (que deu nome à península) molda a paisagem, criando vales férteis e bacias hidrográficas.
O clima da Ibéria varia consideravelmente, do oceânico úmido no noroeste ao mediterrânico seco no sul e leste, com características continentais no planalto central. Esta diversidade climática e geográfica resultou em uma rica variedade de recursos naturais, incluindo minerais como ouro, prata, cobre e estanho, que atraíram fenícios, gregos e, posteriormente, romanos para a região.
Apesar de sua riqueza e posição estratégica, a Ibéria estava geograficamente distante do epicentro dos eventos bíblicos. As principais rotas comerciais e vias de acesso do mundo bíblico (Mesopotâmia, Egito, Levante) não se estendiam diretamente até a península. As interações mais próximas do mundo bíblico com o extremo ocidental do Mediterrâneo ocorreram principalmente através dos fenícios, um povo navegante que estabeleceu colônias comerciais em toda a bacia mediterrânea, incluindo a Ibéria (como Gadir, a moderna Cádis).
Dados arqueológicos da Península Ibérica revelam uma história de ocupação humana que remonta à pré-história, com a presença de culturas megalíticas e, posteriormente, povos como os iberos, celtas e celtiberos. A influência fenícia é atestada por numerosos achados arqueológicos ao longo da costa sul e leste, confirmando o comércio de metais e outros bens. Estas evidências, embora não mencionadas na Bíblia, contextualizam a região como um espaço de civilização antiga e contato comercial com povos que interagiam com o mundo bíblico, como os fenícios de Tiro e Sidom.
A distância da Ibéria do Levante significa que, para os autores bíblicos, ela se enquadrava no conceito de "fins da terra" (אפסי ארץ, afsei erets), as regiões mais distantes e remotas conhecidas. Este conceito é teologicamente significativo, como veremos, pois representa o limite da extensão da soberania de Deus e o alcance da mensagem do evangelho (Salmos 72:8; Atos 1:8).
3. História e contexto bíblico
Como já estabelecido, a Ibéria, como entidade geográfica com esse nome, não possui uma história direta ou um contexto bíblico explícito nos textos canônicos. Não há menções de eventos, personagens ou passagens bíblicas que ocorram diretamente na Ibéria. No entanto, a região pode ser indiretamente conectada ao mundo bíblico através da discussão sobre "Tarshish" (תרשיש, Tarshish) e a expansão missionária apostólica.
A cidade de Tarshish é mencionada em diversas passagens do Antigo Testamento. É frequentemente associada à produção de prata, ferro, estanho e chumbo (Ezequiel 27:12). Os "navios de Tarshish" (אניות תרשיש, oniyyot Tarshish) são um termo que pode se referir a grandes navios oceânicos capazes de longas viagens, ou especificamente a navios que navegavam para Tarshish (1 Reis 10:22; 2 Crônicas 9:21; Isaías 2:16). O profeta Jonas tentou fugir de Deus embarcando em um navio para Tarshish (Jonas 1:3), indicando que era um destino distante e conhecido como o "fim do mundo" na percepção da época.
A localização exata de Tarshish é objeto de debate acadêmico. Muitas teorias a situam no Mediterrâneo ocidental, com a Península Ibérica sendo uma das candidatas mais proeminentes, especificamente a antiga cidade-estado de Tartessos, na foz do rio Guadalquivir. Essa identificação é baseada em evidências arqueológicas de intensa atividade fenícia na região, bem como na riqueza mineral que correspondia às descrições bíblicas de Tarshish. Contudo, esta conexão permanece uma hipótese e não é uma declaração explícita da Bíblia.
No período do Novo Testamento, a Ibéria ganha uma conexão teológica mais direta, embora ainda sem ser nomeada. O Apóstolo Paulo expressa sua intenção de viajar para a Espanha (Σπανία, Spanía) após completar seu ministério em Roma (Romanos 15:24, Romanos 15:28). A Espanha, na época de Paulo, correspondia à maior parte da Península Ibérica, que estava sob domínio romano como províncias da Hispânia (Hispania).
Essa intenção de Paulo é um marco importante. Embora não haja registro bíblico de que ele tenha efetivamente realizado essa viagem, sua aspiração demonstra que a Península Ibérica era vista como um destino legítimo e necessário para a propagação do evangelho, alcançando os "fins da terra" conforme a Grande Comissão (Atos 1:8). A visão de Paulo reflete a compreensão da igreja primitiva de que a mensagem de Cristo não estava restrita ao Oriente Médio, mas deveria alcançar todas as nações, incluindo as mais distantes do mundo conhecido.
Historicamente, a Península Ibérica passou por diversas fases de ocupação e influência, incluindo a presença de povos iberos, celtas, fenícios, gregos, cartagineses e romanos. Durante o período romano, a Hispânia se tornou uma província importante, contribuindo significativamente para a economia e a cultura do Império. É provável que comunidades judaicas já estivessem estabelecidas na Ibéria antes da era cristã, como parte da diáspora judaica, o que teria facilitado a chegada do cristianismo, mesmo sem a intervenção direta de Paulo.
4. Significado teológico e eventos redentores
A ausência de Ibéria nos registros canônicos da Bíblia significa que não há eventos salvíficos ou proféticos específicos que tenham ocorrido diretamente nesta localidade, nem milagres ou ensinamentos de Jesus ou dos apóstolos associados a ela em primeira mão. No entanto, a região da Península Ibérica assume um significado teológico profundo quando considerada no contexto da revelação progressiva e da história redentora de Deus.
Primeiramente, o conceito de "fins da terra" (אפסי ארץ, afsei erets; ἔσχατον τῆς γῆς, eschaton tēs gēs) é central. Desde o Antigo Testamento, a soberania de Deus é proclamada sobre toda a terra, até seus confins. O Salmos 72:8 profetiza que o Messias "dominará de mar a mar e desde o rio até os confins da terra." Este domínio universal de Deus e Seu Messias naturalmente incluiria regiões distantes como a Ibéria.
O profeta Isaías também fala da salvação de Deus alcançando "até a extremidade da terra" (Isaías 49:6), e os navios de Tarshish trazendo os exilados de volta (Isaías 60:9), o que, se Tarshish for associado à Ibéria, simbolizaria o alcance global da redenção e a reunião de todos os povos sob o Senhor. Mesmo que a identificação seja debated, a ideia de que Deus alcançaria as nações distantes é inegável.
No Novo Testamento, a Grande Comissão dada por Jesus Cristo instrui Seus discípulos a fazerem "discípulos de todas as nações" (Mateus 28:19) e a serem Suas testemunhas "até os confins da terra" (Atos 1:8). A intenção do Apóstolo Paulo de ir à Espanha (Romanos 15:24, 28) é a manifestação mais clara dessa visão missionária em relação à Península Ibérica. Paulo viajou para o oeste, sempre buscando levar o evangelho a novos territórios, e a Espanha representava o limite ocidental do mundo conhecido de Roma, um verdadeiro "fim da terra" para a expansão apostólica.
A viagem planejada de Paulo para a Espanha, embora não confirmada biblicamente como realizada, é teologicamente significativa. Ela sublinha a universalidade da mensagem do evangelho e a determinação apostólica de cumprir o mandato de Cristo. A Ibéria, portanto, representa a meta de alcance missionário da igreja primitiva, um testemunho do plano de Deus para que todas as nações ouçam e respondam à Sua Palavra.
A perspectiva protestante evangélica enfatiza que o plano de Deus para a redenção abrange toda a humanidade, em todas as localidades. A Ibéria, como uma das regiões mais distantes do mundo bíblico, serve como um lembrete de que a salvação em Cristo não é geográfica ou culturalmente limitada, mas universalmente acessível. O fato de que o cristianismo se estabeleceu e floresceu na Península Ibérica ao longo dos séculos é uma confirmação histórica do cumprimento da Grande Comissão, mesmo que os detalhes da sua chegada inicial não estejam na Bíblia.
Em um sentido tipológico ou alegórico, a jornada de Jonas para Tarshish (Jonas 1:3), tentando fugir da vontade de Deus para Nínive, pode ser interpretada como a futilidade de tentar escapar da soberania divina, não importa quão distante seja o destino (seja ele a Ibéria ou qualquer outro "fim da terra"). Deus é Senhor de toda a criação e de todos os povos, e Sua Palavra alcançará onde Ele desejar, independentemente dos planos humanos.
5. Legado bíblico-teológico e referências canônicas
O legado bíblico-teológico de Ibéria é construído sobre sua ausência direta no cânon e sua conexão indireta com conceitos bíblicos maiores. O nome Ibéria não é encontrado em nenhum dos 66 livros da Bíblia Sagrada aceitos pela tradição protestante evangélica. As menções de "Tarshish" (תרשיש, Tarshish), encontradas em livros como Gênesis 10:4, 1 Reis 10:22, Jonas 1:3, Isaías 2:16, Isaías 23:1, 6, 10, 14, Isaías 60:9, Isaías 66:19, Jeremias 10:9, Ezequiel 27:12, 25 e Salmos 72:10, são as referências canônicas mais próximas, embora a identificação de Tarshish com a Península Ibérica seja uma interpretação posterior e debatida.
A frequência e os contextos dessas referências a Tarshish geralmente a descrevem como uma fonte de riqueza mineral ou um destino de viagens marítimas longas, simbolizando a vastidão do mundo conhecido e o alcance do comércio. Em profecias, os "navios de Tarshish" representam o poderio naval e comercial que será subjugado ou usado para cumprir os propósitos de Deus, como em Isaías 60:9, onde "os navios de Tarshish virão primeiro, para trazer teus filhos de longe".
A conexão mais explícita da região da Ibéria com o cânon do Novo Testamento reside na intenção do Apóstolo Paulo de viajar para a Espanha (Σπανία, Spanía), mencionada em Romanos 15:24 e Romanos 15:28. Estas passagens são cruciais para a teologia missionária, demonstrando a compreensão apostólica da universalidade do evangelho. A Espanha, como parte da Ibéria romana, era o limite ocidental do Império e representava os "confins da terra" para o qual a Grande Comissão se estendia.
Embora a Bíblia não registre a concretização da viagem de Paulo à Espanha, a tradição cristã primitiva, inclusive Clemente de Roma (século I d.C.), sugere que Paulo pode ter realizado essa jornada. Isso reforça a importância da Ibéria na história da igreja primitiva como um campo missionário potencial e, eventualmente, real, para a propagação do evangelho fora do Oriente Médio.
Na literatura intertestamentária e extra-bíblica, a Ibéria é mencionada por historiadores e geógrafos greco-romanos, mas sem qualquer conexão direta com a narrativa bíblica ou teológica. Sua importância nesses textos é puramente geográfica, política e econômica. A teologia reformada e evangélica, ao abordar a geografia bíblica, tende a se concentrar nas localidades explicitamente mencionadas e suas funções na história da salvação, mas também reconhece a soberania de Deus sobre todas as terras e o alcance universal da missão.
A relevância da Ibéria para a compreensão da geografia bíblica, portanto, reside em sua representação simbólica dos "fins da terra" e como um destino para a expansão do evangelho, conforme a visão apostólica. Ela serve como um lembrete do plano redentor global de Deus, que transcende as fronteiras geográficas imediatas da narrativa bíblica e alcança todas as nações, cumprindo a profecia e o mandato de Cristo para a igreja. A ausência de seu nome não significa ausência de Deus, mas sim que a salvação se estende para além dos limites geográficos do texto sagrado.