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Significado de Imagem

A doutrina da Imagem de Deus no ser humano é uma das pedras angulares da teologia cristã, oferecendo um fundamento para a antropologia bíblica, a cristologia, a soteriologia e a ética. Sob uma perspectiva protestante evangélica conservadora, a compreensão deste termo bíblico é essencial para apreender a dignidade intrínseca da humanidade, a profundidade da queda, a necessidade da redenção em Cristo e o propósito da santificação. Este estudo explorará a evolução, o significado e a aplicação da Imagem, desde suas raízes veterotestamentárias até sua plena revelação e restauração em Jesus Cristo, o Filho de Deus.

A autoridade inerrante da Escritura guiará nossa análise, enfatizando a centralidade de Cristo como a perfeita Imagem de Deus e o objetivo da renovação humana. Abordaremos como a Imagem é um conceito dinâmico que permeia toda a história da salvação, desde a criação até a glorificação, moldando a compreensão da identidade do crente e seu chamado à obediência e ao serviço. A teologia reformada, com sua ênfase na soberania divina e na graça, fornecerá a estrutura para esta investigação.

1. Etimologia e raízes no Antigo Testamento

A fundação para a doutrina da Imagem de Deus encontra-se nas narrativas da criação no Antigo Testamento, particularmente em Gênesis. As palavras hebraicas primárias que expressam este conceito são tselem (צֶלֶם) e demuth (דְּמוּת). A palavra tselem, geralmente traduzida como "imagem", refere-se a uma representação concreta, uma cópia ou uma semelhança física. Pode denotar uma estátua, um ídolo, ou até mesmo uma figura sombria, mas no contexto da criação humana, ela assume um significado teológico profundo e único.

Já a palavra demuth, traduzida como "semelhança" ou "similaridade", muitas vezes acompanha tselem, como em Gênesis 1:26: "Façamos o homem à nossa Imagem, conforme a nossa semelhança". A inclusão de ambas as palavras sugere que a Imagem não é apenas uma representação externa, mas também uma similaridade interna e intrínseca. Teólogos como João Calvino argumentaram que demuth serve para explicar e especificar o que significa ser criado à tselem de Deus, indicando uma correspondência não apenas em forma, mas em natureza e caráter.

No contexto do Antigo Testamento, a Imagem de Deus no homem implica várias facetas. Primeiramente, ela confere dignidade e valor únicos a cada ser humano, distinguindo-o de toda a criação animal. Em Gênesis 1:26-28, essa Imagem está intrinsecamente ligada ao mandato cultural, ao domínio e à mordomia sobre a criação. O ser humano é o representante de Deus na terra, exercendo autoridade delegada e refletindo a soberania divina sobre o mundo criado. Esta é uma dimensão funcional da Imagem.

Além disso, a Imagem de Deus no Antigo Testamento aponta para capacidades intrínsecas do ser humano, como a racionalidade, a moralidade, a espiritualidade e a capacidade de relacionamento com Deus e com outros seres humanos. Em Gênesis 5:1-3, a linhagem de Adão é descrita como gerando filhos "à sua semelhança, conforme a sua Imagem", mostrando que a Imagem é transmitida através das gerações. Mesmo após a Queda, a Escritura reitera a permanência da Imagem em toda a humanidade, como visto em Gênesis 9:6, que proíbe o derramamento de sangue humano porque o homem foi feito "à Imagem de Deus".

O desenvolvimento progressivo da revelação no Antigo Testamento demonstra que, embora a Imagem tenha sido maculada pelo pecado (Gênesis 3), ela não foi completamente apagada. A capacidade humana de pecar e de se rebelar contra Deus é, paradoxalmente, uma distorção da liberdade e da responsabilidade inerentes à Imagem. Os profetas e a literatura sapiencial, embora não usem o termo explicitamente com a mesma frequência que Gênesis, pressupõem a dignidade e a responsabilidade humanas perante Deus, que são derivadas de sua criação à Imagem divina. A persistência da Imagem é a base para a esperança de sua restauração.

2. Imagem no Novo Testamento e seu significado

No Novo Testamento, o conceito de Imagem ganha uma clareza cristológica sem precedentes, concentrando-se em Jesus Cristo como a perfeita e verdadeira Imagem de Deus. A principal palavra grega utilizada é eikōn (εἰκών), que significa "imagem", "semelhança", "representação" ou "cópia". Enquanto no Antigo Testamento a Imagem de Deus é atribuída ao homem criado, no Novo Testamento, Jesus Cristo é apresentado como a Imagem arquetípica, a qual a humanidade é chamada a refletir e à qual deve ser conformada.

O significado literal de eikōn é de algo que não apenas se assemelha, mas que representa e manifesta a essência de seu original. Teologicamente, isso é crucial para entender a pessoa de Cristo. Em Colossenses 1:15, Paulo afirma que Cristo é "a Imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação". Esta declaração não significa que Cristo é uma criatura, mas que Ele é a manifestação visível e perfeita do Deus que é invisível. Ele é a representação exata da essência divina, tornando Deus conhecido e acessível à humanidade.

De forma semelhante, 2 Coríntios 4:4 descreve Cristo como "a Imagem de Deus", no contexto da glória do evangelho que os incrédulos não conseguem ver devido ao véu do diabo. Aqui, Cristo é a revelação da glória de Deus, e a pregação do evangelho é a proclamação dessa Imagem gloriosa. A carta aos Hebreus ecoa essa verdade em Hebreus 1:3, que descreve o Filho como "o resplendor da sua glória e a expressão exata do seu Ser", utilizando o termo charaktēr (χαρακτήρ), que significa "o exato cunho" ou "impressão", reforçando a ideia de que Cristo é a perfeita Imagem de Deus.

A relação entre o Antigo e o Novo Testamento sobre a Imagem é de continuidade e descontinuidade. Há continuidade na ideia de que a humanidade foi criada para refletir a Deus. No entanto, há uma descontinuidade significativa no fato de que a Imagem humana foi corrompida pelo pecado. Cristo, por outro lado, é a Imagem perfeita e sem mácula, servindo como o padrão e o meio para a restauração da Imagem em nós. Ele é o "segundo Adão" (1 Coríntios 15:45-49), que recapitula a humanidade em sua perfeição original e além.

Os Evangelhos, embora não usem a palavra eikōn para descrever Jesus como a Imagem de Deus, o apresentam em todas as suas ações e ensinamentos como a manifestação do caráter e da vontade divina. Ele é o Deus conosco, o Emanuel, que revela o Pai perfeitamente (João 14:9). A literatura joanina, em particular, enfatiza que ninguém jamais viu a Deus, mas o Filho unigênito, que está no seio do Pai, o revelou (João 1:18). Assim, o Novo Testamento eleva o conceito de Imagem a uma esfera cristológica, estabelecendo Cristo como o modelo e a fonte de toda a restauração da humanidade.

3. Imagem na teologia paulina: a base da salvação

As cartas paulinas são particularmente ricas na exploração da doutrina da Imagem em relação à salvação. Paulo desenvolve o conceito da Imagem como um elemento central na doutrina da soteriologia, ligando-o intrinsecamente ao plano redentor de Deus em Cristo. Ele destaca que a salvação não é apenas o perdão dos pecados, mas um processo de transformação que visa a restauração e conformidade à Imagem de Cristo.

Um dos textos mais cruciais é Romanos 8:29, onde Paulo declara que Deus "predestinou os que dantes conheceu para serem conformes à Imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos". Este versículo revela que o propósito último da eleição e da predestinação divina é a conformidade a Cristo. A salvação, do ponto de vista divino, tem como meta a restauração da Imagem perdida, moldando os crentes à semelhança moral e espiritual de Jesus, o Filho.

A Imagem de Cristo é, portanto, o modelo para o ordo salutis (ordem da salvação). Embora a justificação pela fé (sola fide) seja o ato inicial e declarativo de Deus que nos torna justos em Seus olhos, ela é o portal para o processo de santificação, onde a Imagem de Cristo é progressivamente restaurada. Em 2 Coríntios 3:18, Paulo descreve essa transformação: "Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma Imagem, como pelo Espírito do Senhor". Este é um processo contínuo, impulsionado pelo Espírito Santo, que nos leva a uma semelhança cada vez maior com Cristo.

Em Colossenses 3:10, Paulo instrui os crentes a "se revestirem do novo homem, que se renova para o conhecimento, segundo a Imagem daquele que o criou". Aqui, a Imagem é ligada à renovação do conhecimento e à criação de um "novo homem", contrastando-o com o "velho homem" que está corrompido pelas paixões enganosas. A restauração da Imagem não é por obras da Lei ou mérito humano, mas é uma obra da graça de Deus, recebida pela fé, e que se manifesta em uma vida de obediência e santidade.

A glorificação é o estágio final onde a conformidade à Imagem de Cristo será completa e perfeita. Em 1 Coríntios 15:49, Paulo afirma: "E, assim como trouxemos a Imagem do terreno, assim traremos também a Imagem do celestial". Esta é a esperança escatológica: na ressurreição, os crentes serão completamente transformados, recebendo corpos glorificados que refletirão plenamente a Imagem de Cristo. As implicações soteriológicas são profundas: a salvação é holística, abrangendo não apenas a alma, mas todo o ser do crente, culminando na plena conformidade ao seu Salvador.

4. Aspectos e tipos de Imagem

A doutrina da Imagem de Deus é multifacetada e tem sido analisada sob diversas perspectivas teológicas ao longo da história da igreja. No contexto protestante evangélico, é comum distinguir entre diferentes aspectos da Imagem, que ajudam a compreender sua natureza abrangente e as consequências do pecado e da redenção. Podemos categorizar a Imagem em termos de suas manifestações e seu estado em diferentes fases da história da salvação.

Primeiramente, distinguimos entre a Imagem substantiva, a Imagem funcional e a Imagem relacional. A Imagem substantiva refere-se aos atributos inerentes à natureza humana que refletem a Deus, como a racionalidade, a moralidade, a espiritualidade, a vontade livre e a capacidade de autoconsciência. A Imagem funcional diz respeito ao papel do ser humano como representante de Deus na criação, exercendo domínio e mordomia (Gênesis 1:26-28). A Imagem relacional foca na capacidade humana de ter comunhão com Deus e de estabelecer relacionamentos significativos com outros seres humanos, refletindo a natureza trinitária de Deus.

Outra distinção crucial é entre a Imagem em seu estado original (pré-Queda), a Imagem em seu estado caído e a Imagem em seu estado restaurado/glorificado. A Imagem original, conforme criada em Adão, era perfeita, refletindo plenamente a santidade, justiça e conhecimento de Deus. A Queda (Gênesis 3) corrompeu essa Imagem, maculando sua pureza moral e espiritual, mas sem destruí-la completamente. A teologia reformada, seguindo Calvino, argumenta que a Imagem foi "mutilada" ou "deformada", mas não "aniquilada". A dignidade humana, baseada na Imagem, permanece mesmo no pecado (Tiago 3:9).

A Imagem restaurada refere-se ao processo de santificação pelo qual os crentes são transformados à semelhança de Cristo (2 Coríntios 3:18). Este é um processo progressivo que começa na regeneração e continua por toda a vida, culminando na glorificação, onde a Imagem será perfeitamente restaurada e o crente será completamente conforme a Cristo (Romanos 8:29; 1 João 3:2). Esta distinção é vital para entender a obra do Espírito Santo na vida do crente.

A história da teologia reformada tem consistentemente afirmado a total depravação do homem após a Queda, o que significa que todas as faculdades da Imagem foram afetadas pelo pecado, mas não eliminadas. O homem ainda possui racionalidade e vontade, mas estas estão escravizadas ao pecado. Os reformadores, como Martinho Lutero e João Calvino, enfatizaram que a restauração da Imagem é uma obra exclusiva da graça de Deus em Cristo, e não do esforço humano. Erros doutrinários a serem evitados incluem o Pelagianismo (que superestima a capacidade humana de restaurar a Imagem por si mesma) e o Gnosticismo (que desvaloriza o corpo físico, parte integrante da Imagem criada por Deus).

5. Imagem e a vida prática do crente

A doutrina da Imagem de Deus possui implicações profundas e práticas para a vida do crente, moldando sua piedade, adoração, serviço e engajamento com o mundo. Compreender que somos portadores da Imagem de Deus, e que somos chamados a ser conformados à Imagem de Cristo, oferece um fundamento para a ética cristã e o propósito de nossa existência.

Primeiramente, a Imagem de Deus é a base para a dignidade humana universal. Cada pessoa, independentemente de raça, gênero, status social, capacidade ou crença, possui um valor intrínseco porque foi criada à Imagem de Deus. Esta verdade deve impulsionar o crente a amar e respeitar o próximo, a lutar contra a injustiça, a defender a vida desde a concepção até a morte natural, e a promover a dignidade de todos os seres humanos (Gênesis 9:6; Tiago 3:9). É a base para a compaixão e a empatia.

Em segundo lugar, a vida cristã é um processo contínuo de santificação, onde o crente, pelo poder do Espírito Santo, é transformado à Imagem de Cristo. Isso implica uma responsabilidade pessoal de "despojar-se do velho homem" e "revestir-se do novo homem" (Efésios 4:22-24; Colossenses 3:9-10). Essa obediência não é uma busca legalista por mérito, mas uma resposta grata à graça de Deus, capacita pelo Espírito. Envolve o cultivo de virtudes cristãs, a busca da santidade e o abandono do pecado, refletindo o caráter de Cristo em todas as áreas da vida.

A adoração é também profundamente impactada pela doutrina da Imagem. Adoramos a Deus porque Ele é o Criador e Aquele cuja Imagem nós, embora maculados, ainda portamos e somos chamados a refletir. Adoramos a Cristo, a perfeita Imagem do Deus invisível, que nos redimiu e nos capacita a sermos restaurados. A verdadeira adoração, portanto, não é apenas um ato de louvor, mas uma vida de conformidade à Imagem de Cristo, que glorifica a Deus em tudo (Romanos 12:1-2).

O serviço ao próximo e à igreja também reflete a Imagem de Deus. Servir aos outros é servir a Cristo (Mateus 25:40), e é uma manifestação prática do amor que a Imagem restaurada inspira. A igreja, como corpo de Cristo, é uma comunidade de portadores da Imagem de Deus que, coletivamente, refletem a Imagem de Cristo ao mundo. Ela é chamada à unidade, ao amor mútuo e à proclamação do evangelho, que é o poder de Deus para restaurar a Imagem em todos os que creem.

Pastoralmente, os líderes devem exortar os crentes a viverem de maneira digna de sua vocação, lembrando-os de sua dignidade inerente como portadores da Imagem de Deus e de seu chamado a refletir a Imagem de Cristo. É vital equilibrar a doutrina da graça com a responsabilidade humana, enfatizando que a transformação é uma obra do Espírito, mas que exige a participação ativa e obediente do crente. A esperança da glorificação final, quando seremos perfeitamente conformados à Imagem de Cristo, deve motivar a perseverança e a fidelidade em meio às lutas da vida.