Significado de Lama
A análise teológica de um termo bíblico como Lama exige não apenas um escrutínio linguístico, mas uma imersão profunda em seu contexto histórico, soteriológico e prático, especialmente sob a ótica da teologia protestante evangélica conservadora. O termo Lama (לָמָה ou לָמָּה em hebraico) é um advérbio interrogativo que significa "por que?" ou "para que?". Embora sua ocorrência seja comum em toda a Bíblia hebraica, sua ressonância teológica atinge seu ápice no clamor de Jesus Cristo na cruz: "Eli, Eli, Lama sabachthani?" (Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?). Este grito, ecoando o Salmo 22:1, encapsula um dos momentos mais densos e misteriosos da história da salvação, revelando a profundidade da obra expiatória de Cristo e a natureza do sofrimento vicário.
A perspectiva protestante evangélica valoriza a autoridade inerrante da Escritura, a centralidade de Cristo e as doutrinas da sola gratia e sola fide. Ao abordar Lama, não o tratamos como um conceito abstrato, mas como uma expressão da experiência humana e divina que aponta para a soberania de Deus e a redenção operada em Cristo. A pergunta "por que?" é intrínseca à experiência humana de dor e dúvida, mas na boca do Filho de Deus, ela adquire uma dimensão cósmica e redentora. Esta análise buscará desdobrar as camadas de significado deste termo, desde suas raízes no Antigo Testamento até suas implicações para a vida do crente hoje, sempre com um olhar atento à glória de Deus e à suficiência da obra de Cristo.
Compreender o "por que?" de Cristo é fundamental para apreender a magnitude do sacrifício e o amor inesgotável do Pai que não poupou o seu próprio Filho para a salvação da humanidade. É nesse "por que?" que se encontra a justificação para o pecador, a esperança para o sofredor e a base para uma vida de adoração e serviço. A profundidade da teologia reformada nos capacita a ver neste clamor não um sinal de desespero, mas o ápice da obediência de Cristo e a consumação do plano divino de redenção, onde o paradoxo do abandono temporário resulta na eterna aceitação dos que creem.
1. Etimologia e raízes de Lama no Antigo Testamento
O termo hebraico Lama (לָמָה ou לָמָּה) é um advérbio interrogativo fundamental na língua hebraica, significando "por que?", "para que?" ou "com que propósito?". Sua etimologia é simples, mas seu uso no Antigo Testamento revela uma rica tapeçaria de emoções humanas e questionamentos teológicos. Não se trata de uma palavra com conotações intrínsecas de graça ou salvação, mas de uma ferramenta linguística que expressa a indagação diante de circunstâncias incompreensíveis, desafios à justiça divina ou busca por entendimento.
No contexto do Antigo Testamento, a pergunta Lama é frequentemente encontrada em diversas categorias literárias, refletindo a complexidade da relação entre Deus e a humanidade. Nos livros proféticos, por exemplo, os profetas frequentemente usam Lama para questionar a desobediência do povo ou a aparente inação de Deus diante da injustiça. Em Jeremias 12:1, o profeta lamenta: "Por que prospera o caminho dos ímpios? Por que estão todos em paz os que procedem aleivosamente?" Essa pergunta não é um sinal de descrença, mas uma expressão de dor e um apelo à justiça divina, demonstrando uma fé que se atreve a questionar a Deus dentro dos limites da aliança.
1.1 O uso de Lama na literatura de lamento e sabedoria
A literatura sapiencial e os Salmos de lamento são os campos mais férteis para o estudo do uso de Lama no Antigo Testamento. No Livro de Jó, a pergunta "por que?" é a espinha dorsal de todo o drama. Jó, confrontado com sofrimento inexplicável, repete a pergunta de diversas formas, buscando compreender a razão de sua aflição. Em Jó 7:20, ele clama: "Se pequei, que te fiz, ó Observador dos homens? Por que me pões por alvo teu, para que a mim mesmo me seja pesado?" A persistência de Jó em sua indagação, mesmo sem uma resposta imediata, sublinha a legitimidade da pergunta humana diante do mistério do sofrimento, mas sempre dentro de um arcabouço de fé fundamental na soberania de Deus.
Os Salmos de lamento, como o Salmo 10, 44, 74 e 88, também estão repletos de clamores Lama. O Salmo 44:23-24 pergunta: "Desperta! Por que dormes, Senhor? Levanta-te! Não nos rejeites para sempre! Por que escondes o teu rosto e te esqueces da nossa aflição e da nossa opressão?" Esses salmos expressam a angústia da comunidade ou do indivíduo que se sente abandonado por Deus, mas a própria oração e o questionamento a Deus são atos de fé, que pressupõem que Deus é capaz de ouvir e responder. Eles são um testemunho da relação pactual, onde o povo de Israel, mesmo em sua dor, volta-se para seu Deus.
1.2 O Salmo 22 e a revelação progressiva
O Salmo 22 é o texto seminal para a compreensão teológica de Lama, especialmente por sua citação por Jesus na cruz. O Salmo começa com o clamor angustiante: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Salmo 22:1). Este salmo, embora expressando a dor de um indivíduo, é profundamente messiânico. Ele descreve em detalhes vívidos o sofrimento de um justo que é zombado, ridicularizado e tem suas mãos e pés perfurados (Salmo 22:16), e cujas vestes são divididas (Salmo 22:18). No Antigo Testamento, o "por que?" do Salmo 22 permanece em grande parte sem uma resposta explícita para o sofredor, mas termina com uma nota de louvor e confiança na libertação de Deus (Salmo 22:22-31).
A revelação progressiva do Antigo Testamento prepara o terreno para a compreensão plena de Lama no Novo Testamento. A incapacidade de encontrar uma resposta completa para o sofrimento do justo no Antigo Testamento aponta para uma futura e definitiva intervenção divina. O "por que?" humano, muitas vezes um questionamento da justiça ou do amor de Deus, encontra sua resposta não em uma explicação filosófica, mas na pessoa e obra do Messias. O desenvolvimento deste conceito demonstra que, embora a pergunta seja antiga, sua resposta mais profunda só seria dada no calvário, através do sofrimento vicário do Filho de Deus.
2. O clamor de Lama no Novo Testamento e seu significado
No Novo Testamento, o termo Lama adquire um significado teológico singular e central, transcendendo seu uso como mera interrogação. Ele aparece de forma proeminente e única nos relatos da crucificação de Jesus Cristo, conforme registrado em Mateus 27:46 e Marcos 15:34. Nestes versículos, Jesus, em seus momentos finais na cruz, clama em aramaico (uma língua semítica próxima ao hebraico): "Eli, Eli, Lama sabachthani?" (Mateus 27:46), que significa "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?". Esta citação direta do Salmo 22:1 não é apenas uma reminiscência, mas a consumação de uma profecia e o ápice da obra redentora.
A palavra grega correspondente à ideia de "por que?" ou "para que?" seria diati (διατί) ou eis ti (εἰς τί). No entanto, os evangelistas optaram por transliterar o aramaico Lama (Λαμᾶ), mantendo a fidelidade à expressão exata proferida por Jesus. Essa escolha sublinha a dramaticidade e a autenticidade do clamor de Cristo. O significado literal de "por que?" é mantido, mas o contexto teológico o eleva a uma profundidade sem precedentes. Este não é um "por que?" de ignorância ou incredulidade por parte de Jesus, mas uma expressão da sua experiência real e vicária do abandono divino.
2.1 A relação de Lama com a pessoa e obra de Cristo
O clamor de Lama de Jesus na cruz é o ponto culminante da sua identificação com a humanidade pecadora. Teologicamente, este "por que?" não pode ser interpretado como um momento de desespero ou perda de fé por parte do Filho de Deus. Pelo contrário, é a expressão máxima da sua obediência e da sua perfeita humanidade, que experimenta em plenitude as consequências do pecado. É o momento em que Jesus, o Cordeiro de Deus sem mancha, assume sobre Si o pecado do mundo e, como tal, experimenta a separação do Pai que o pecado exige. O teólogo John Calvin (João Calvino) enfatizou que Cristo experimentou as dores do inferno em nosso lugar, e essa experiência incluiu a retirada temporária da comunhão com o Pai.
Este abandono não é uma ruptura ontológica na Trindade, mas uma separação funcional e experiencial, essencial para a doutrina da expiação penal substitutiva. Jesus, sendo Deus e homem, pôde suportar a plenitude da ira divina contra o pecado. O Pai "abandonou" o Filho porque o Filho se tornou o portador do pecado da humanidade. Como 2 Coríntios 5:21 afirma: "Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus." O Lama de Cristo é, portanto, o som da justiça divina sendo satisfeita, do castigo do pecado sendo executado no substituto perfeito.
2.2 Continuidade e descontinuidade entre Antigo e Novo Testamento
Há uma clara continuidade entre o uso de Lama no Antigo Testamento e sua manifestação no Novo Testamento, especialmente através da citação do Salmo 22. O Antigo Testamento, com seus salmos de lamento e a história de Jó, preparou o terreno para a humanidade expressar sua dor e incompreensão diante do sofrimento. O "por que?" humano encontra seu eco e sua resposta final no "por que?" divino-humano de Cristo.
Contudo, há também uma profunda descontinuidade. Enquanto os clamores de Lama no Antigo Testamento eram expressões de dor e busca por entendimento por parte de pecadores que sofriam, o Lama de Jesus é o clamor do Justo que sofre pelos pecadores. É a única vez na história em que o Filho de Deus foi abandonado pelo Pai, e essa experiência foi vicária e redentora. A resposta ao "por que?" de Cristo não é dada por uma voz do céu, mas é manifestada na ressurreição, que valida sua obra expiatória e garante que aqueles que nele creem jamais serão abandonados (Hebreus 13:5). O "por que?" da cruz, embora doloroso, é o caminho para a reconciliação e a vida eterna.
3. Lama na teologia paulina: a base da salvação
Embora o apóstolo Paulo não cite diretamente o clamor de Lama de Jesus na cruz, a teologia paulina está intrinsecamente enraizada no significado e nas implicações desse evento. A obra expiatória de Cristo, culminando em seu sofrimento vicário e na experiência do abandono divino, é o fundamento sobre o qual Paulo constrói toda a sua doutrina da salvação. O "por que?" de Cristo na cruz é a razão pela qual a justificação do pecador é possível, conforme articulado em cartas como Romanos, Gálatas e Efésios.
Paulo explica que a humanidade está sob o domínio do pecado e da Lei, incapaz de se justificar por suas próprias obras (Romanos 3:20). A solução para essa condição é encontrada na cruz de Cristo. O Lama de Jesus representa o momento em que Deus derramou sua ira justa sobre o pecado, não sobre a humanidade condenada, mas sobre seu próprio Filho, que se tornou nosso substituto. Como Martinho Lutero e João Calvino enfatizaram, a penalidade do pecado foi plenamente paga por Cristo. Essa é a essência da doutrina da expiação penal substitutiva, que é a base da sola gratia (somente pela graça) e sola fide (somente pela fé).
3.1 O clamor de Lama e a doutrina da salvação
O clamor de abandono de Jesus é o cerne da doutrina da justificação. Em Romanos 3:23-25, Paulo declara: "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos." O "por que?" de Cristo na cruz é a expressão máxima da propiciação, onde a ira de Deus contra o pecado é desviada e satisfeita em Cristo.
Gálatas 3:13-14 reforça essa verdade: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé recebêssemos a promessa do Espírito." O Lama de Jesus é o ponto em que Ele se torna maldição, suportando o julgamento que era devido a nós. Este ato de substituição é a base de nossa justificação: somos declarados justos não por mérito próprio, mas pela justiça de Cristo que nos é imputada pela fé, um conceito central na teologia reformada.
3.2 Implicações soteriológicas centrais
As implicações do Lama de Cristo para o ordo salutis (ordem da salvação) são profundas. A justificação, que é o ato de Deus declarar o pecador justo com base na obra de Cristo, é diretamente ligada ao seu sofrimento vicário. Sem o abandono de Cristo, não haveria satisfação pela justiça divina e, consequentemente, não haveria justificação para o pecador. A santificação, o processo de ser conformado à imagem de Cristo, também é alimentada pelo conhecimento do que Cristo suportou por nós; a gratidão nos impulsiona à obediência. A glorificação, a consumação final da salvação, é garantida porque Cristo suportou o máximo abandono, assegurando que os seus eleitos jamais serão abandonados por Deus (Romanos 8:38-39).
O teólogo Charles Spurgeon frequentemente pregava sobre a profundidade da agonia de Cristo na cruz, incluindo o seu clamor de Lama, como a prova suprema do amor de Deus e da seriedade do pecado. Para Paulo, o "por que?" de Cristo não é uma pergunta sem resposta, mas a resposta definitiva para o "por que?" da nossa condenação. Ele nos resgata da maldição da Lei, não por nossas obras, mas pela graça de Deus manifestada em Cristo Jesus. A teologia paulina, portanto, interpreta o Lama como o elo crucial entre a justiça de Deus e a salvação do pecador, um testemunho inegável de que a salvação é inteiramente obra de Deus, do começo ao fim.
4. Aspectos e tipos da pergunta "Por que?" na teologia
Ao analisar Lama como a pergunta "por que?", é crucial distinguir os diferentes aspectos e contextos em que essa indagação surge na experiência humana e na revelação divina. Não existe um "tipo" de Lama no sentido de categorias teológicas distintas para a palavra em si, mas sim diferentes manifestações da pergunta "por que?" que têm implicações teológicas variadas. A teologia reformada, com sua ênfase na soberania de Deus, oferece uma estrutura para entender essas distinções.
4.1 O "por que?" humano e o "por que?" de Cristo
- O "por que?" da lamentação e da perplexidade humana: Esta é a forma mais comum da pergunta Lama no Antigo Testamento, vista nos Salmos de lamento e no Livro de Jó. É uma expressão de dor, confusão e, por vezes, apelo à justiça divina diante do sofrimento, da injustiça ou da aparente ausência de Deus. É um "por que?" que busca entendimento, intervenção ou consolo. É uma pergunta legítima de fé que se debate com as realidades da vida em um mundo caído.
- O "por que?" da expiação de Cristo: O Lama de Jesus na cruz é de uma categoria completamente diferente. Não é uma pergunta de ignorância ou dúvida sobre a vontade do Pai, mas a expressão da sua experiência real e vicária de ser feito pecado por nós. É um "por que?" que não busca uma resposta para si mesmo, mas que é a resposta para o "por que?" da nossa condenação. Este "por que?" é o som da justiça divina sendo satisfeita e da penalidade do pecado sendo suportada pelo substituto perfeito. Dr. Martyn Lloyd-Jones frequentemente destacava a singularidade e a profundidade insondável do sofrimento de Cristo, que incluiu essa experiência de abandono.
4.2 O "por que?" e a teodiceia na perspectiva reformada
A pergunta "por que?" é central para o problema da teodiceia – a tentativa de reconciliar a existência do mal e do sofrimento com a bondade e a onipotência de Deus. A teologia reformada aborda este desafio com uma ênfase na soberania inquestionável de Deus. Embora não ofereça respostas simplistas para todo sofrimento individual, ela postula que Deus é soberano sobre todas as coisas, incluindo o mal e a dor, e que Ele os usa para Seus propósitos justos e bons, ainda que muitas vezes incompreensíveis para nós (Romanos 8:28).
A cruz de Cristo, com seu clamor de Lama, é o ápice da resposta divina ao problema do mal. Deus não eliminou o sofrimento do mundo, mas Ele próprio entrou no sofrimento em sua forma mais profunda por meio de Seu Filho. O "por que?" de Cristo demonstra que Deus não é alheio à nossa dor, mas a experimentou em seu grau mais intenso para nos redimir. Isso nos leva a confiar na sabedoria oculta de Deus, mesmo quando não entendemos o "por que?" de nossas próprias circunstâncias.
4.3 Erros doutrinários a serem evitados
Ao interpretar o Lama de Cristo, é vital evitar certos erros doutrinários:
- Interpretação como desespero ou perda de fé: Alguns podem ver o clamor de Jesus como um sinal de que Ele perdeu a fé no Pai. Isso negaria Sua perfeita humanidade e Sua divindade. O clamor é uma expressão de Sua perfeita obediência e da profundidade de Sua identificação com o pecador, não de falha pessoal.
- Ruptura ontológica da Trindade: A ideia de que houve uma quebra na essência da Trindade é herética. O abandono foi uma separação funcional e experiencial, não uma divisão na unidade substancial do Pai, Filho e Espírito Santo. A natureza de Deus como Trindade inseparável permanece intacta.
- Minimizar a realidade do sofrimento de Cristo: É igualmente errado minimizar a intensidade do clamor de Jesus. Ele realmente experimentou a plenitude da ira de Deus contra o pecado. A dor da separação do Pai foi real e excruciante, essencial para a eficácia da expiação.
A teologia reformada, através de figuras como Jonathan Edwards, sempre sublinhou a glória de Deus na cruz, onde a justiça e a misericórdia se encontram. O Lama de Cristo é o ponto de convergência de todos os "por quês" humanos, respondendo-os com a suprema demonstração do amor e da justiça de Deus. Ele nos convida a trazer nossos próprios "por quês" ao pé da cruz, encontrando ali não explicações completas para toda dor, mas a certeza de um Deus que sofreu conosco e por nós.
5. Lama e a vida prática do crente
A compreensão teológica do clamor de Lama de Jesus na cruz não é meramente um exercício acadêmico; ela tem profundas implicações para a vida prática do crente. A experiência de Cristo de ser abandonado por Deus em nosso lugar transforma fundamentalmente como os cristãos enfrentam suas próprias perguntas de "por que?", como vivem sua fé e como se relacionam com Deus e com o mundo. O Lama de Cristo molda nossa piedade, nossa adoração e nosso serviço.
5.1 O clamor de Cristo e nossa responsabilidade pessoal
A obra vicária de Cristo, simbolizada por Seu Lama, não anula a responsabilidade pessoal do crente, mas a estabelece em uma nova base. Sabendo que Cristo suportou o abandono para que nunca fôssemos abandonados (Hebreus 13:5), somos chamados a viver em gratidão e obediência. Nossa obediência não é para ganhar a salvação, mas é a resposta da fé à salvação já adquirida pela graça. O teólogo A.W. Pink, em suas obras sobre a soberania de Deus, enfatizava que a profundidade da obra de Cristo deve levar a uma vida de consagração total.
Quando enfrentamos nossos próprios "por quês" na vida – "Por que essa dor?", "Por que essa perda?", "Por que essa injustiça?" – o Lama de Cristo nos oferece consolo e perspectiva. Sabemos que não estamos sozinhos em nossa dor. Jesus, nosso Sumo Sacerdote, "não tem um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado" (Hebreus 4:15). Sua experiência máxima de abandono nos assegura que Ele entende a profundidade de nossa angústia, mesmo quando não entendemos os caminhos de Deus.
5.2 Lama moldando a piedade, adoração e serviço
A doutrina do Lama de Cristo deve aprofundar nossa piedade. A meditação sobre o custo de nossa salvação – o fato de que Deus Pai abandonou Seu Filho para nos salvar – deve nos levar a uma reverência e humildade profundas. Isso nos afasta do legalismo e da autossuficiência, e nos leva a uma dependência sincera da graça de Deus.
- Adoração: Nossa adoração se torna mais rica e significativa quando lembramos que fomos redimidos a um preço tão alto. Cantamos louvores não apenas pela bondade de Deus, mas pela Sua justiça e pelo sacrifício de Cristo que satisfez essa justiça. O hino "Ao Contemplar a Rude Cruz" (When I Survey the Wondrous Cross) de Isaac Watts é um exemplo clássico de como a cruz e o sofrimento de Cristo devem moldar nossa adoração, levando-nos a entregar tudo a Ele.
- Serviço: O serviço cristão é motivado pelo amor que nos foi demonstrado na cruz. Se Cristo se esvaziou e suportou o abandono por nós, somos chamados a nos esvaziar e servir aos outros, especialmente aos mais vulneráveis e marginalizados (Filipenses 2:5-8). O Lama de Cristo nos impulsiona a levar o evangelho da reconciliação àqueles que ainda estão abandonados em seus pecados.
5.3 Implicações para a igreja contemporânea e exortações pastorais
Para a igreja contemporânea, a doutrina do Lama de Cristo serve como um lembrete constante da seriedade do pecado e da magnitude da graça. Em uma era que frequentemente busca conforto fácil e soluções rápidas, a cruz nos chama a confrontar a realidade do sofrimento e do sacrifício. Ela nos protege de um evangelho superficial que promete apenas prosperidade terrena, e nos centra na salvação eterna e na glória de Deus.
Pastoralmente, entender o Lama de Jesus permite aos líderes guiar os crentes através de suas próprias crises de "por que?". Em vez de oferecer respostas simplistas ou culpar o sofredor, o pastor pode apontar para a cruz, lembrando que o próprio Deus experimentou a dor e o abandono em sua forma mais profunda. Isso não elimina a dor, mas a infunde de significado e esperança. Podemos exortar os crentes a: "Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar" (1 Coríntios 10:13).
O equilíbrio entre doutrina e prática é evidente aqui: a doutrina do Lama de Cristo não é apenas uma verdade a ser crida, mas uma realidade a ser vivida. Ela nos convida a uma vida de fé, mesmo em meio à incompreensão, sabendo que o Deus que não poupou Seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, "como não nos dará também com ele todas as coisas?" (Romanos 8:32). O "por que?" da cruz, embora um mistério, é a fonte de nossa mais profunda segurança e a base de nossa esperança inabalável.