Significado de Matias

Ilustração do personagem bíblico Matias (Nano Banana Pro)
A figura de Matias, embora brevemente mencionada nas Escrituras, detém uma posição singular e teologicamente significativa na história da igreja primitiva. Sua eleição para substituir Judas Iscariotes no colégio apostólico, conforme narrado em Atos 1, é um evento crucial para a compreensão da continuidade da missão apostólica e da providência divina na formação da nova aliança.
Este artigo busca explorar a profundidade da história de Matias, desde a etimologia de seu nome até seu legado teológico, sob uma perspectiva protestante evangélica, enfatizando a autoridade bíblica e a exegese cuidadosa dos textos canônicos.
1. Etimologia e significado do nome
O nome Matias (em grego, Maththias, Μαθθίας) é uma forma abreviada ou variante do nome Matthaios (Ματθαῖος), que corresponde ao hebraico Mattityahu (מַתִּתְיָהוּ) ou Mattithiah (מַתִּתְיָה). A raiz etimológica do nome é composta por dois elementos: mattan (מַתָּן), que significa "dom" ou "presente", e Yah (יָהּ), uma abreviação do nome divino Javé (YHWH).
Assim, o significado literal do nome Matias é "Dom de Javé" ou "Presente de Deus". Esta significância onomástica é particularmente relevante no contexto de sua eleição, pois ele foi visto como um presente providencial de Deus para restaurar o número apostólico divinamente estabelecido.
A variação mais conhecida do nome nas línguas bíblicas é Mateus, o apóstolo e autor do primeiro Evangelho canônico. Embora compartilhem a mesma raiz etimológica, Matias e Mateus são personagens distintos na narrativa neotestamentária. Não há outros personagens bíblicos proeminentes com o nome Matias.
A significância teológica do nome reside na crença de que a escolha de Matias não foi meramente humana, mas divinamente orquestrada. Ele foi, de fato, um "Dom de Javé" para a igreja nascente, um testemunho da fidelidade de Deus em preservar e guiar seu povo, mesmo diante da traição e da perda.
2. Contexto histórico e narrativa bíblica
A narrativa bíblica de Matias está situada no período crucial imediatamente após a ascensão de Jesus Cristo ao céu e antes do derramamento do Espírito Santo no Pentecostes, conforme registrado em Atos dos Apóstolos. Este período, que durou cerca de dez dias, foi marcado pela expectativa e pela oração dos discípulos reunidos em Jerusalém (Atos 1:12-14).
O contexto político-social da época era o da ocupação romana da Judeia, com as tensões religiosas e nacionalistas permeando a sociedade judaica. A comunidade de crentes, cerca de 120 pessoas, estava reunida, aguardando o cumprimento da promessa de Jesus sobre o Consolador (Atos 1:4-5).
É neste cenário que Pedro se levanta e propõe a substituição de Judas Iscariotes, que havia traído Jesus e, subsequentemente, se suicidara (Atos 1:16-19). A necessidade de preencher a vaga não era arbitrária, mas fundamentada nas Escrituras do Antigo Testamento, especificamente em Salmo 69:25 e Salmo 109:8, que Pedro cita para justificar a ação (Atos 1:20).
A narrativa não fornece detalhes sobre a genealogia ou origem familiar de Matias. Ele é apresentado como um dos homens que acompanharam Jesus "desde o batismo de João até o dia em que dentre nós foi elevado" (Atos 1:21-22). Esta é a única informação canônica sobre sua vida pré-apostólica, mas é crucial para entender a legitimidade de sua eleição.
Os principais eventos da vida de Matias se concentram em sua seleção. Dois homens foram propostos: José, chamado Barsabás (também conhecido como Justo), e Matias (Atos 1:23). Após oração, lançaram sortes, e a sorte caiu sobre Matias, que foi então "contado com os onze apóstolos" (Atos 1:26).
A geografia relacionada a Matias é primariamente Jerusalém, onde ocorreu sua eleição. Sua relação com outros personagens bíblicos é, sobretudo, com os apóstolos e a comunidade primitiva de crentes. Ele se juntou ao círculo íntimo dos Doze, que haviam sido os companheiros mais próximos de Jesus durante seu ministério terreno.
3. Caráter e papel na narrativa bíblica
Embora a Bíblia forneça poucos detalhes diretos sobre o caráter de Matias, podemos inferir certas qualidades a partir dos critérios estabelecidos para a escolha de um novo apóstolo. Os requisitos eram rigorosos: o substituto deveria ter sido um companheiro constante de Jesus desde o início de seu ministério público até sua ascensão (Atos 1:21-22).
Isso significa que Matias era um seguidor fiel e dedicado, que testemunhou em primeira mão os ensinamentos, milagres, morte e ressurreição de Jesus. Sua presença contínua ao lado dos apóstolos, mesmo antes de sua eleição, demonstra um compromisso duradouro com a causa de Cristo e uma profunda fé pessoal.
A qualificação mais importante para o novo apóstolo era ser "testemunha conosco da sua ressurreição" (Atos 1:22). Isso implica que Matias não apenas acreditava na ressurreição, mas a havia presenciado ou tinha conhecimento direto e irrefutável dela. Essa virtude de testemunha ocular era essencial para a credibilidade apostólica.
Não há menção de pecados, fraquezas ou falhas morais documentadas sobre Matias nas Escrituras canônicas, o que é consistente com a breve menção de sua pessoa. Sua vocação e função específica eram as de um apóstolo, um "enviado" com autoridade especial para testemunhar de Cristo e estabelecer a igreja.
O papel desempenhado por Matias foi o de restaurar o número simbólico dos Doze Apóstolos, que representavam as doze tribos de Israel e seriam os fundamentos da nova comunidade da aliança (Apocalipse 21:14). Sua eleição foi uma ação significativa que garantiu a continuidade do testemunho apostólico integral.
A decisão-chave de Matias foi sua disponibilidade e disposição para servir, submetendo-se ao processo de seleção divinamente guiado. Sua aceitação da sorte lançada demonstra humildade e confiança na soberania de Deus. Não há informações sobre o desenvolvimento posterior de seu personagem na Bíblia, mas sua inclusão no grupo dos Doze é seu legado mais importante.
4. Significado teológico e tipologia
A eleição de Matias é profundamente significativa para a teologia protestante evangélica, sublinhando a providência divina e a ordem estabelecida por Deus para sua igreja. Ele desempenha um papel na história redentora ao garantir a integridade do testemunho apostólico, que é fundamental para a revelação progressiva do plano de Deus.
A necessidade de substituir Judas Iscariotes não era meramente numérica, mas teológica. Os Doze Apóstolos foram escolhidos por Jesus para serem os pilares da igreja, sentados em tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mateus 19:28). A traição de Judas criou uma lacuna que precisava ser preenchida para cumprir o plano divino.
A eleição de Matias, portanto, não é tipologia cristocêntrica direta no sentido de prefigurar Cristo, mas aponta para a fidelidade de Cristo em manter sua igreja e seu plano. A restauração do número doze simboliza a continuidade da aliança de Deus com seu povo, agora expandida para incluir crentes de todas as nações, com os apóstolos como seus fundamentos.
As citações do Antigo Testamento por Pedro (Salmo 69:25 e Salmo 109:8) demonstram que a traição de Judas e a necessidade de um substituto estavam dentro do plano profético de Deus. Isso reforça a soberania divina sobre os eventos humanos, mesmo os mais trágicos, e a infalibilidade das Escrituras.
A escolha de Matias conecta-se com temas teológicos centrais como a soberania de Deus, a autoridade apostólica e a importância do testemunho fiel. A oração dos discípulos antes de lançar sortes (Atos 1:24-25) revela sua confiança na orientação divina, reconhecendo que "tu, Senhor, conheces os corações de todos".
A prática de lançar sortes, embora não seja um método normativo para a tomada de decisões na igreja pós-Pentecostes (onde o Espírito Santo guiaria diretamente), demonstra a busca sincera da vontade de Deus em um momento de transição único. É um exemplo de obediência e fé na providência divina antes da plena vinda do Espírito.
A doutrina associada a Matias é a do ofício apostólico, que era singular e irrepetível em sua fundação. Os apóstolos eram testemunhas oculares da ressurreição e foram comissionados diretamente por Jesus para lançar os alicerces da igreja. Matias preencheu essa qualificação e foi divinamente apontado para essa função insubstituível.
5. Legado bíblico-teológico e referências canônicas
A menção de Matias é exclusivamente encontrada em Atos 1:15-26 no cânon bíblico. Após sua eleição, ele não é mais nomeado, embora seja implicitamente incluído no grupo dos "doze apóstolos" que continuaram a pregar e a edificar a igreja. Sua ausência em outras narrativas não diminui sua importância teológica, mas ressalta o foco do livro de Atos na obra coletiva dos apóstolos.
Não há contribuições literárias atribuídas a Matias no cânon. Ele não é autor de livros, Salmos ou epístolas. Sua influência reside no seu papel de garantir a integridade do colégio apostólico e, por extensão, a autoridade e a continuidade do testemunho evangélico da igreja primitiva.
Na teologia bíblica, a inclusão de Matias é crucial para a compreensão da natureza do apostolado. Sua eleição por meio de um processo divinamente guiado, baseado em critérios específicos (ter acompanhado Jesus e ser testemunha da ressurreição), diferencia o ofício apostólico de outras formas de liderança eclesiástica.
A tradição interpretativa cristã, especialmente a oriental, atribui a Matias missões evangelísticas na Judeia, Etiópia e Síria, e seu martírio por apedrejamento e decapitação. Embora essas tradições sejam veneráveis, elas não possuem o mesmo nível de autoridade que as Escrituras canônicas e devem ser tratadas com discernimento.
Na literatura intertestamentária não há referências a Matias, pois sua aparição é estritamente neotestamentária. Contudo, a base para a restauração dos Doze, como mencionado por Pedro, encontra suas raízes proféticas no Antigo Testamento, conectando a nova aliança com as promessas dadas a Israel.
O tratamento de Matias na teologia reformada e evangélica enfatiza que o ofício apostólico, no sentido de ser testemunha ocular de Cristo ressuscitado e ter autoridade fundacional para a igreja, foi único e não se perpetua. Matias foi o último a ser divinamente chamado para preencher essa posição singular.
A importância de Matias para a compreensão do cânon e da teologia evangélica reside na demonstração da providência ativa de Deus na formação da igreja. Sua eleição valida a autoridade dos Doze como os fundamentos da fé cristã, e sua história nos lembra que Deus sempre provê os meios para que seu plano redentor se cumpra, mesmo em face da falha humana.