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Significado de Medida

A "Medida" é um termo bíblico multifacetado, com implicações profundas que perpassam toda a Escritura, desde os padrões divinos de justiça no Antigo Testamento até a plenitude da estatura de Cristo no Novo Testamento. Sob a perspectiva protestante evangélica conservadora, o conceito de Medida revela a soberania de Deus, a pecaminosidade humana, a suficiência de Cristo e a responsabilidade do crente. Esta análise buscará desdobrar o seu significado teológico e sua aplicação prática, fundamentando-se na autoridade bíblica e na teologia reformada.

Desde as balanças justas exigidas pela Lei mosaica até a distribuição de dons espirituais pela graça de Cristo, a Medida é um lembrete constante da ordem divina, da provisão graciosa e do propósito de Deus para a humanidade. Compreender este conceito é crucial para uma vida de piedade, adoração e serviço, pois ele molda nossa percepção de Deus, de nós mesmos e de nosso papel no plano redentor.

Este estudo examinará a evolução do termo, suas raízes etimológicas, seu desenvolvimento nas dispensações, e suas implicações soteriológicas e praxiológicas. A centralidade de Cristo será um fio condutor, pois é nele que toda a Medida de Deus se manifesta e se cumpre, capacitando os crentes a viverem de acordo com a sua vontade soberana e amorosa.

1. Etimologia e raízes no Antigo Testamento

No Antigo Testamento, o conceito de Medida é veiculado por diversas palavras hebraicas que denotam padrões, pesos, dimensões e avaliações. Uma das palavras mais relevantes é midda (מִדָּה), que se refere a uma medida ou dimensão, frequentemente usada em contextos de construção ou de limites geográficos. Por exemplo, em Ezequiel 40:3, o profeta vê um homem com uma corda de linho e uma cana de Medida para medir o templo. Este uso literal aponta para a precisão e a ordem divinas.

Além de midda, termos como moznayim (מֹאזְנַיִם), que significa "balanças" ou "pesos", e mishqal (מִשְׁקָל), que se refere a "peso", são cruciais para entender a Medida no contexto ético e judicial. A Lei mosaica enfatizava a importância de pesos e Medidas justas (Deuteronômio 25:13-16; Levítico 19:35-36), condenando a fraude e a desonestidade. Essas exigências não eram meramente econômicas, mas refletiam o caráter justo e santo de Deus, que não tolera a iniquidade.

No contexto do Antigo Testamento, a Medida divina se manifesta em vários âmbitos. Primeiro, na criação, onde Deus estabeleceu os limites do universo e as leis que o governam. Em Jó 28:25, é dito que Deus "pôs peso ao vento e fixou a Medida às águas". Similarmente, Isaías 40:12 descreve Deus como aquele que "Mediu as águas na concha da sua mão, e tomou a Medida dos céus a palmos, e recolheu numa Medida o pó da terra, e pesou os montes com peso e os outeiros em balanças". Essas passagens sublinham a soberania e a onipotência de Deus como o arquiteto cósmico, cujo controle é absoluto e preciso.

Segundo, a Medida divina é evidente na Lei, que estabeleceu os padrões de santidade e justiça para o povo de Israel. Os profetas frequentemente denunciavam a nação por não viver de acordo com a Medida da Lei de Deus, prometendo julgamento que seria "Medido" de volta a eles. Em Isaías 28:17, o Senhor declara: "E o juízo porei por linha, e a justiça por prumo; e a saraiva varrerá o refúgio da mentira, e as águas cobrirão o esconderijo". Aqui, a linha e o prumo são metáforas para a Medida da justiça divina que exporá a corrupção.

Terceiro, na literatura sapiencial, a Medida se relaciona com a sabedoria e a prudência. Provérbios 11:1 afirma: "Balança enganosa é abominação para o Senhor, mas o peso justo é o seu prazer". Este princípio se estende além das transações comerciais, aplicando-se à conduta moral e à tomada de decisões. A vida sábia é aquela que se alinha com as Medidas de Deus para a retidão e a verdade.

O desenvolvimento progressivo da revelação no Antigo Testamento mostra uma transição do conceito de Medida de um sentido puramente físico para um sentido moral e espiritual. As Medidas justas não eram apenas para o comércio, mas para refletir o caráter de um Deus que é intrinsecamente justo e verdadeiro. O povo de Israel era chamado a imitar a santidade e a justiça de seu Deus, vivendo de acordo com a Medida de sua aliança, o que preparava o caminho para uma compreensão mais profunda da Medida da graça e da fé no Novo Testamento.

2. Medida no Novo Testamento e seu significado

No Novo Testamento, a principal palavra grega para Medida é metron (μέτρον). Este termo carrega o sentido de uma porção, um limite, um padrão ou uma capacidade. Sua aplicação é vasta e profunda, transcendendo as conotações físicas do Antigo Testamento para abarcar dimensões espirituais e teológicas. Outro termo relevante é pleroma (πλήρωμα), que significa "plenitude" ou "totalidade", frequentemente usado para descrever a completa Medida de algo, especialmente em relação a Cristo.

Literalmente, metron pode referir-se a uma unidade de comprimento ou capacidade, como em Apocalipse 21:17, onde a muralha da Nova Jerusalém é medida com "cento e quarenta e quatro côvados, conforme a Medida de homem, que é a de anjo". No entanto, seu significado teológico é muito mais significativo. Nos Evangelhos, Jesus usa o conceito de Medida em seus ensinamentos sobre julgamento e recompensa. Em Mateus 7:2, Ele adverte: "Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a Medida com que tiverdes medido, vos medirão também". Esta passagem estabelece um princípio de reciprocidade divina na justiça, onde a nossa conduta para com os outros se torna a Medida pela qual Deus nos julgará, sublinhando a seriedade da responsabilidade pessoal.

As epístolas, particularmente as paulinas, expandem o conceito de Medida para áreas cruciais da vida cristã e da teologia. Em Romanos 12:3, Paulo escreve: "Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a Medida da fé que Deus repartiu a cada um". Aqui, a Medida da fé não é uma conquista humana, mas uma dádiva soberana de Deus, que capacita o crente para o serviço e a humildade. Esta Medida é a base para a operação dos dons espirituais no corpo de Cristo.

A relação específica com a pessoa e obra de Cristo é central para a compreensão da Medida no Novo Testamento. Cristo é a Medida perfeita de Deus, a manifestação plena de Sua glória e caráter. Colossenses 1:19 e 2:9 afirmam que "nele habita corporalmente toda a plenitude (pleroma) da divindade". Jesus é a Medida através da qual tudo é avaliado, o padrão de santidade e a imagem perfeita do Pai. A "plenitude" de Cristo é o alvo para o qual os crentes são chamados a crescer, como veremos adiante.

Há uma clara continuidade e, ao mesmo tempo, uma descontinuidade entre o Antigo e o Novo Testamento no que tange à Medida. A continuidade reside na imutável justiça de Deus e nos Seus padrões de retidão. Deus ainda é o mesmo, e Sua Medida de santidade permanece inalterada. A descontinuidade se manifesta na forma como essa Medida é aplicada e experimentada. Enquanto no Antigo Testamento a ênfase estava na Medida da Lei e na incapacidade humana de cumpri-la, no Novo Testamento, a ênfase recai sobre a Medida da graça e da fé, concedidas por Cristo, que capacita o crente a viver uma vida que agrada a Deus.

A Medida no Novo Testamento não é mais primariamente uma questão de conformidade externa a regras, mas de transformação interna e crescimento em Cristo. A Medida da Lei revelava a necessidade de um Salvador; a Medida da graça em Cristo provê a salvação e a capacitação para a obediência. Como Calvino ensinou, a Lei serve para nos mostrar nosso pecado e nos levar a Cristo, que é o cumprimento da Lei e a nossa única esperança de satisfazer a Medida divina de justiça.

3. Medida na teologia paulina: a base da salvação

As cartas paulinas oferecem uma das mais ricas explorações do termo Medida, especialmente em sua relação com a doutrina da salvação. Para Paulo, a salvação não se baseia em qualquer Medida de mérito humano ou obras da Lei, mas na Medida imerecida da graça de Deus, manifesta em Cristo Jesus. Em Romanos 3:20 e Gálatas 2:16, Paulo enfaticamente declara que "ninguém será justificado diante dele por obras da lei", pois a lei serve apenas para dar o conhecimento do pecado. A Medida da Lei é perfeita, mas a humanidade caída é incapaz de alcançá-la.

É nesse contexto que a Medida da graça divina se torna a base da salvação. Efésios 2:8-9 é um pilar da teologia reformada: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem de obras, para que ninguém se glorie". A salvação é inteiramente pela Medida da graça de Deus (sola gratia) e recebida pela Medida da fé (sola fide), que Ele mesmo concede. Martinho Lutero e João Calvino enfatizaram essa verdade, argumentando que qualquer tentativa de adicionar obras à salvação é desvalorizar a suficiência da obra de Cristo e a generosidade da graça de Deus.

Paulo também introduz a ideia de uma "Medida da fé" (metron pisteos) em Romanos 12:3, que Deus "repartiu a cada um". Esta Medida não é a fé salvadora em si, mas a capacidade ou a porção de fé que Deus concede a cada crente para o exercício de seus dons e para viver de forma humilde e sóbria. É uma Medida de capacitação divina para o serviço dentro do corpo de Cristo. Da mesma forma, em Efésios 4:7, ele escreve: "Mas a cada um de nós foi dada a graça conforme a Medida do dom de Cristo". Aqui, a Medida se refere à distribuição soberana de dons e habilidades espirituais, que variam de crente para crente, mas são todos para a edificação do corpo de Cristo.

A relação entre a Medida e o ordo salutis (ordem da salvação) é profunda. A justificação é o ato pelo qual Deus nos declara justos, não com base em nossa própria Medida de justiça, mas na perfeita Medida de justiça de Cristo imputada a nós. A santificação é o processo contínuo pelo qual somos transformados à imagem de Cristo, crescendo em nossa vida espiritual até atingirmos "a Medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios 4:13). Este é o alvo da maturidade cristã: alcançar a plenitude (pleroma) que está em Cristo, a Medida perfeita de Deus para a humanidade.

Finalmente, a glorificação é o estágio final da salvação, onde seremos plenamente conformados à imagem de Cristo, atingindo a Medida completa de Sua glória e perfeição. As implicações soteriológicas são centrais: a salvação é inteiramente um trabalho de Deus, desde o início até o fim. Ele provê a Medida da fé, a Medida da graça, e nos capacita a crescer até a Medida de Cristo. Como C. H. Spurgeon frequentemente pregava, a graça de Deus é ilimitada, mas é "Medida" para nós de forma que possamos recebê-la e utilizá-la para Sua glória, sem jamais depender de nossos próprios esforços finitos.

4. Aspectos e tipos de Medida

O termo Medida, em sua amplitude bíblica e teológica, apresenta diversas manifestações e facetas que merecem distinção. Podemos identificar pelo menos quatro aspectos principais da Medida, que se complementam na teologia protestante evangélica. Primeiramente, a Medida como o padrão divino de justiça e santidade. Esta é a Medida absoluta de Deus, expressa em Sua Lei e em Seu caráter imutável. É a "linha e o prumo" de Isaías 28:17, pela qual toda a humanidade e todas as ações são avaliadas. Ninguém, por si só, consegue cumprir essa Medida perfeita, revelando a necessidade da graça.

Em segundo lugar, a Medida da graça e da fé, que é a provisão soberana de Deus para a salvação e para a vida cristã. Esta é a Medida que Deus "repartiu a cada um" (Romanos 12:3) e que é "dada conforme a Medida do dom de Cristo" (Efésios 4:7). Trata-se de uma Medida graciosa, não merecida, que capacita o crente para crer e para servir. É importante distinguir a fé salvadora (que é a Medida inicial e fundamental da fé para a justificação) da "Medida da fé" para o serviço, que se relaciona com os dons espirituais e a capacidade de exercer ministérios específicos. A fé salvadora é universal para todos os crentes, enquanto a Medida para dons pode variar.

Em terceiro lugar, a Medida da estatura da plenitude de Cristo (Efésios 4:13). Este aspecto representa o alvo da santificação e da maturidade cristã. Não se trata de uma Medida que possuímos desde o início, mas de uma Medida para a qual somos chamados a crescer. É a conformidade progressiva à imagem de Cristo, que é a Medida perfeita do homem segundo Deus. Dr. Martyn Lloyd-Jones frequentemente enfatizava a necessidade de os crentes buscarem essa plenitude, não por esforço humano, mas pela operação do Espírito Santo.

Finalmente, a Medida de julgamento e retribuição, conforme o princípio de Mateus 7:2: "com a Medida com que tiverdes medido, vos medirão também". Esta Medida se aplica tanto à justiça divina sobre os ímpios quanto à avaliação das obras dos crentes (1 Coríntios 3:13-15), que serão provadas pelo fogo. A Medida de Deus é sempre justa e perfeita, e Ele retribui a cada um segundo as suas obras e a Medida de sua fidelidade ou infidelidade.

Na história da teologia reformada, essas distinções foram cruciais para combater erros doutrinários. O legalismo é um erro que tenta alcançar a Medida da justiça divina por meio de obras humanas, negando a sola gratia. O antinomianismo, por outro lado, desconsidera a Medida da santidade divina e a necessidade de obediência após a salvação, subestimando a importância da santificação. A presunção pode levar um crente a reivindicar uma Medida de fé ou de dons que Deus não lhe concedeu, enquanto o desespero pode fazer com que alguém duvide da suficiência da Medida da graça de Deus.

É fundamental manter o equilíbrio: reconhecer que a Medida da graça é um dom soberano, mas que exige uma resposta de fé e obediência. A Medida da fé e dos dons é distribuída conforme a vontade de Deus, e devemos exercê-los humildemente. O objetivo final é crescer na Medida de Cristo, não por nossos próprios méritos, mas pela contínua dependência do Espírito Santo e da Palavra de Deus.

5. Medida e a vida prática do crente

A compreensão teológica do termo Medida tem implicações profundas e transformadoras para a vida prática do crente. Ela molda nossa piedade, nossa adoração e nosso serviço, estabelecendo um equilíbrio vital entre a soberania divina e a responsabilidade humana. Primeiramente, a Medida da fé e da graça que nos foi concedida nos chama à humildade. Reconhecer que nossa fé, nossos dons e nossa capacidade vêm de Deus (Romanos 12:3) nos impede de orgulho e autossuficiência. Isso nos leva a uma profunda dependência do Senhor em todas as áreas da vida.

Em segundo lugar, a Medida nos impele à responsabilidade pessoal e à obediência. Embora a salvação seja pela graça, a vida cristã é um chamado a viver de forma digna da vocação que recebemos (Efésios 4:1). Somos mordomos da Medida de fé e dos dons que nos foram confiados (1 Pedro 4:10). Isso significa que devemos usar nossos talentos e recursos para a glória de Deus e para o bem do próximo, sem enterrar o que nos foi dado, como na parábola dos talentos (Mateus 25:14-30).

A Medida também direciona nossa busca pela santificação e maturidade. O chamado para alcançar "a Medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios 4:13) não é um ideal inatingível, mas um processo contínuo de crescimento espiritual. Isso envolve o estudo diligente da Palavra, a oração fervorosa, a comunhão com outros crentes e a prática da disciplina espiritual. A vida prática do crente deve ser uma jornada de constante conformidade com a Medida de Cristo, buscando refletir Seu caráter e Seus valores em cada aspecto da existência.

Para a igreja contemporânea, a doutrina da Medida é fundamental para a unidade e o funcionamento saudável do corpo de Cristo. Cada membro recebe uma Medida diferente de fé e dons, e todos são essenciais para o crescimento e a edificação mútua (Efésios 4:16). Isso combate a inveja, a comparação e o individualismo, promovendo um espírito de serviço e colaboração. A igreja deve ser um lugar onde cada Medida é valorizada e usada para o avanço do Reino de Deus.

Exortações pastorais baseadas na Medida incluem a admoestação para que os crentes não ultrapassem os limites da Medida de fé que lhes foi dada (Romanos 12:3), mas que também não negligenciem o dom que está neles (1 Timóteo 4:14). Devemos amar uns aos outros, aceitando as diferentes Medidas de maturidade e compreensão. A adoração deve ser uma resposta à grandeza imensurável de Deus (Efésios 3:20), que excede toda a nossa Medida de compreensão.

Em suma, a Medida na vida prática do crente representa um equilíbrio dinâmico. Por um lado, há a Medida da graça soberana de Deus, que nos dá tudo o que precisamos para a vida e a piedade. Por outro lado, há a nossa responsabilidade de responder a essa graça com fé, obediência e diligência, buscando crescer na Medida de Cristo. Este equilíbrio é a essência da vida cristã reformada, onde a doutrina informa a prática, e a prática glorifica a Deus que provê toda a Medida.