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Significado de Rute

Ilustração do personagem bíblico Rute

Ilustração do personagem bíblico Rute (Nano Banana Pro)

A figura bíblica de Rute é uma das personagens mais notáveis e amadas do Antigo Testamento, cujo nome intitula um dos livros menores da coleção dos Escritos (Ketuvim) na Bíblia Hebraica. Sua história, embora breve, é rica em significado teológico e moral, servindo como um testemunho poderoso da providência divina, da fidelidade humana e da inclusão de gentios no plano redentor de Deus. A perspectiva protestante evangélica vê em Rute um exemplo de fé radical, lealdade inabalável e um elo crucial na genealogia messiânica, apontando para a vinda de Cristo.

Este estudo aprofundado explorará a etimologia do seu nome, o contexto histórico de sua vida, a profundidade de seu caráter, seu significado teológico e tipológico, e o legado duradouro que ela deixou para a fé cristã. Analisaremos sua história sob a lente da autoridade bíblica, da precisão histórica e da tipologia cristocêntrica, destacando as lições perenes para a igreja contemporânea.

1. Etimologia e significado do nome

O nome Rute, em hebraico Rût (רוּת), é de origem incerta, mas várias propostas etimológicas têm sido apresentadas por estudiosos. A raiz mais comumente sugerida para Rût é a palavra hebraica re’ut (רְעוּת), que significa "amizade", "companhia" ou "companheira". Essa interpretação ressoa profundamente com o caráter e as ações de Rute, que demonstrou uma lealdade e amizade extraordinárias para com sua sogra Noemi.

Outras sugestões incluem uma derivação da raiz árabe ra’at, significando "beleza" ou "satisfação", ou até mesmo uma conexão com a palavra hebraica ra’ah, que pode significar "ver" ou "pastorear". No entanto, a interpretação de "amizade" ou "companheira" é a mais aceita e a que melhor se alinha com a narrativa do livro, onde Rute se destaca por sua fidelidade e companheirismo.

Não há outros personagens bíblicos proeminentes com o mesmo nome, tornando Rute única em sua menção nas Escrituras. A singularidade do nome e seu significado implícito contribuem para a profundidade da personagem. O nome em si já prefigura a essência de seu caráter e o papel que desempenharia na história da redenção, como uma fiel companheira no caminho da fé e da aliança.

Do ponto de vista teológico, o significado de "amizade" ou "companheirismo" para o nome Rute é altamente significativo. Ele destaca a natureza do relacionamento de Rute com Noemi, que transcende os laços familiares e culturais, e se torna um exemplo de hesed (חֶסֶד), a bondade leal e amorosa. Esse hesed é um atributo divino e é replicado nas ações de Rute para com sua sogra e, posteriormente, nas ações de Boaz para com Rute.

O nome, portanto, não é meramente um rótulo, mas uma descrição profética do caráter central da personagem. Em um contexto de desespero e perda, Rute emerge como um símbolo de lealdade inabalável, refletindo a própria fidelidade de Deus para com seu povo. Sua "amizade" e "companhia" se estendem além de uma pessoa, tornando-se um tipo da amizade que Deus oferece à humanidade, mesmo aos estrangeiros e marginalizados.

2. Contexto histórico e narrativa bíblica

O livro de Rute se inicia com a declaração: "Nos dias em que os juízes julgavam..." (Rute 1:1). Isso situa a narrativa em um período turbulento da história de Israel, aproximadamente entre os séculos XII e XI a.C., após a conquista de Canaã por Josué e antes do estabelecimento da monarquia. Foi uma época caracterizada por anarquia política, instabilidade social e apostasia religiosa, conforme descrito no livro de Juízes, onde "cada um fazia o que bem lhe parecia" (Juízes 21:25).

Nesse cenário de caos moral e espiritual, a história de Rute brilha como um oásis de fidelidade e esperança. Ela se desenrola durante um período de fome em Israel, que levou Elimeleque, um homem de Belém de Judá, a migrar com sua esposa Noemi e seus dois filhos, Malom e Quiliom, para a terra de Moabe (Rute 1:1-2). Moabe era uma nação vizinha a Israel, descendente de Ló (Gênesis 19:37), com uma história de inimizade e idolatria em relação a Israel (Deuteronômio 23:3-6).

A genealogia de Rute é revelada como sendo moabita. Embora as Escrituras não detalhem sua linhagem ancestral imediata, o fato de ela ser moabita é crucial para a narrativa. Os moabitas eram excluídos da congregação de Israel até a décima geração (Deuteronômio 23:3), o que torna a inclusão de Rute na linhagem davídica e messiânica um testemunho poderoso da graça e soberania de Deus, que transcende barreiras étnicas e culturais.

2.1. Principais eventos da vida

A cronologia narrativa da vida de Rute começa com sua mudança para Moabe e seu casamento com Malom, filho de Noemi (Rute 1:4). Após a morte de seu sogro Elimeleque e, subsequentemente, de seu marido Malom e do irmão de seu marido, Quiliom, Rute se encontra viúva e sem filhos, junto com sua sogra Noemi e sua cunhada Orfa (Rute 1:5).

Ao saber que a fome havia cessado em Judá, Noemi decide retornar à sua terra natal. Ela tenta persuadir suas noras a permanecerem em Moabe e encontrar novos maridos. Orfa, após alguma hesitação, volta para seu povo e seus deuses, mas Rute se apega a Noemi com uma lealdade inabalável, expressa em sua famosa declaração de fé e compromisso: "Para onde fores, irei eu; e onde pousares, ali pousarei eu; o teu povo será o meu povo, e o teu Deus, o meu Deus" (Rute 1:16-17).

Juntas, Rute e Noemi chegam a Belém de Judá no início da colheita da cevada (Rute 1:22). Para prover alimento, Rute vai colher espigas nos campos, uma prática permitida pela lei mosaica para os pobres e estrangeiros (Levítico 19:9-10; Deuteronômio 24:19). Ela "acidentalmente" acaba no campo de Boaz, um parente rico e influente de Elimeleque (Rute 2:3).

Boaz, informado sobre a fidelidade de Rute a Noemi, demonstra grande bondade para com ela, ordenando que seus servos a protejam e permitindo que ela colha abundantemente. Ele também a elogia por buscar refúgio sob as asas de Javé, o Deus de Israel (Rute 2:12). Noemi, ao saber da gentileza de Boaz, reconhece nele um parente remidor (go’el), alguém com a responsabilidade de redimir a propriedade e perpetuar o nome da família de Elimeleque (Rute 2:20).

Seguindo as instruções de Noemi, Rute se apresenta a Boaz na eira durante a noite, buscando que ele cumpra seu papel de remidor (Rute 3:6-9). Boaz, honrado por sua integridade e altruísmo, concorda em casar-se com ela, mas primeiro deve resolver a questão com um parente mais próximo que tinha o direito de remir (Rute 3:12-13).

Boaz negocia publicamente com o parente mais próximo na porta da cidade, o centro da vida jurídica e social. Quando o parente mais próximo recusa a responsabilidade de remir, Boaz assume o direito e a obrigação, casando-se com Rute (Rute 4:1-10). Desse casamento, nasce Obede, que se torna pai de Jessé e avô do rei Davi (Rute 4:13-17). Assim, Rute, a moabita, é incluída na linhagem messiânica, uma prefiguração da inclusão dos gentios no plano de salvação de Deus.

3. Caráter e papel na narrativa bíblica

O caráter de Rute é um dos mais elogiados e exemplares em toda a Escritura, destacando-se por suas virtudes e qualidades espirituais. Ela personifica a hesed (חֶסֶד), a bondade leal e amorosa, que é um tema central do livro. Sua decisão de permanecer com Noemi, mesmo quando Orfa retornou, é a demonstração primária dessa lealdade (Rute 1:16-17). Essa lealdade transcende laços de sangue e cultura, refletindo uma escolha consciente de compromisso com o povo e o Deus de Israel.

Além da lealdade, Rute exibe uma profunda humildade e diligência. Ao chegar a Belém, ela não exige nada, mas se propõe a trabalhar arduamente nos campos, colhendo espigas para sustentar a si mesma e a Noemi (Rute 2:2-3). Sua disposição para realizar um trabalho árduo e muitas vezes humilhante para prover sua família é um testemunho de sua integridade e responsabilidade. Boaz reconhece essa diligência (Rute 2:7), e a elogia por seu caráter (Rute 3:11).

A fé de Rute em Javé, o Deus de Israel, é outra característica marcante. Embora moabita, ela abraça o Deus de Noemi, buscando refúgio "sob as suas asas" (Rute 2:12). Esta expressão é uma metáfora para a proteção divina e a entrada na aliança com Deus. Sua fé não é apenas uma declaração, mas se manifesta em obediência às instruções de Noemi e na confiança na providência de Deus, mesmo em circunstâncias incertas (Rute 3:5-6).

A pureza e a integridade moral de Rute são também evidentes. Quando ela se apresenta a Boaz na eira, seguindo o costume de buscar um remidor, sua conduta é respeitosa e honrada. Boaz a reconhece como uma "mulher virtuosa" (Rute 3:11, em hebraico ’ēshet chayil, אֵשֶׁת חַיִל), a mesma expressão usada para a mulher ideal em Provérbios 31. Isso sublinha seu caráter irrepreensível e sua reputação na comunidade.

O papel de Rute na narrativa bíblica é multifacetado. Ela é, em primeiro lugar, um exemplo de crente gentia que se volta para o Deus de Israel e é plenamente aceita em sua comunidade. Sua história demonstra a capacidade de Deus de incluir todos os povos em seu plano redentor. Em segundo lugar, ela é a catalisadora da redenção da família de Elimeleque, garantindo que o nome da família não seja extinto e que a herança seja mantida através do casamento com Boaz.

Em terceiro lugar, e talvez o mais significativo, Rute desempenha um papel crucial na genealogia messiânica. Através de seu filho Obede, ela se torna a bisavó do rei Davi e, consequentemente, uma ancestral direta de Jesus Cristo (Mateus 1:5). Sua história não é apenas uma bela narrativa de lealdade e amor, mas uma peça essencial na história da salvação, demonstrando a soberania de Deus em orquestrar eventos e pessoas para cumprir suas promessas redentoras.

4. Significado teológico e tipologia

O livro de Rute é uma joia teológica que oferece profundas percepções sobre a história redentora de Deus e sua revelação progressiva. Em sua essência, a história de Rute é uma demonstração da providência divina, que opera nos detalhes da vida cotidiana para cumprir propósitos maiores. A aparente "coincidência" de Rute colher espigas no campo de Boaz (Rute 2:3) é, na verdade, a mão soberana de Deus guiando seus passos.

Um dos temas teológicos mais proeminentes é o da inclusão de gentios no plano de Deus. Rute, uma moabita, é uma estrangeira e, segundo a lei, excluída da congregação de Israel. No entanto, por sua fé e lealdade, ela é não apenas aceita, mas honrada e integrada à comunidade de Israel, tornando-se ancestral do Messias. Isso prefigura a futura inclusão dos gentios na igreja de Cristo, rompendo as barreiras étnicas e culturais (Efésios 2:11-22).

O conceito de go’el (גֹּאֵל), o parente remidor, é central para a compreensão teológica do livro. Boaz, como go’el, tem a responsabilidade de redimir a propriedade e o nome da família de Elimeleque, casando-se com a viúva Rute. Essa figura é uma tipologia poderosa de Cristo. Assim como Boaz resgata Rute de sua situação de desamparo e a integra em sua família, Cristo é o nosso supremo Redentor.

Cristo, nosso go’el, nos redime da escravidão do pecado e da morte, pagando o preço de nossa salvação com seu próprio sangue. Ele nos tira de nossa condição de estrangeiros e nos adota como filhos e herdeiros de Deus (Gálatas 4:4-7). A ação de Boaz em remir Rute ilustra a graça de Deus, que se estende a nós, indignos pecadores, para nos trazer para sua família e nos dar uma herança eterna.

A história de Rute também enfatiza a importância da fé e da obediência. A decisão de Rute de seguir Noemi e seu Deus é um ato de fé radical. Sua confiança na providência de Javé e sua obediência às instruções de Noemi resultam em bênçãos e na realização do plano divino. Isso ressalta a doutrina protestante evangélica de que a fé genuína se manifesta em obediência e confiança em Deus.

A conexão de Rute com a linhagem davídica e messiânica é o ápice de seu significado teológico. Ela é explicitamente mencionada na genealogia de Jesus em Mateus 1:5, juntamente com outras mulheres notáveis como Tamar e Raabe. Sua presença nessa genealogia não é acidental; ela demonstra que o plano de salvação de Deus não se restringe a uma única etnia ou gênero, mas abrange toda a humanidade, preparando o caminho para o Messias que viria para todos.

Assim, Rute aponta para Cristo de várias maneiras: como o Redentor que nos resgata de nossa pobreza espiritual, como aquele que inclui os gentios em seu reino, e como o cumprimento das promessas divinas através de uma linhagem que parecia improvável. A história de Rute é, portanto, uma antecipação do evangelho, revelando o amor inclusivo e redentor de Deus.

5. Legado bíblico-teológico e referências canônicas

O legado de Rute é profundo e multifacetado, com sua história ressoando através das Escrituras e na tradição interpretativa judaica e cristã. Sua principal menção canônica, além do livro que leva seu nome, está na genealogia de Jesus Cristo no Novo Testamento. O evangelho de Mateus registra: "Salmom gerou Boaz de Raabe; Boaz gerou Obede de Rute; Obede gerou Jessé" (Mateus 1:5).

Essa inclusão em uma genealogia tão crucial sublinha a importância de Rute para a compreensão da história da salvação. Ela é uma das quatro mulheres mencionadas na genealogia de Mateus (as outras sendo Tamar, Raabe e a esposa de Urias, Bate-Seba), todas com histórias que envolvem circunstâncias incomuns ou origens gentias. Isso reforça o tema da graça divina que transcende as expectativas humanas e as barreiras sociais e étnicas.

O livro de Rute, embora pequeno, tem uma influência significativa na teologia bíblica. Ele serve como um contraponto ao livro de Juízes, demonstrando que, mesmo nos tempos mais sombrios, a fidelidade a Deus e a prática do hesed ainda existiam. Ele também ilustra a soberania de Deus em controlar os eventos da história para cumprir sua aliança e suas promessas, culminando na vinda de Davi e, finalmente, do Messias.

Na tradição interpretativa judaica, o livro de Rute é lido publicamente durante a festa de Shavuot (Pentecostes), que celebra a entrega da Torá e a colheita. A escolha de Rute para esta festa é significativa, pois ela é uma prosélita que abraça a fé judaica e sua história se passa durante a colheita. Ela simboliza a aceitação da Torá por Israel e a inclusão de convertidos na comunidade da aliança.

Na teologia reformada e evangélica, Rute é frequentemente estudada como um exemplo de fé salvadora e de como a graça de Deus opera para incluir aqueles que são considerados "externos" ao pacto. Sua história é vista como uma preparação para a plenitude do evangelho, onde "não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3:28).

A importância de Rute para a compreensão do cânon reside em sua capacidade de unir as narrativas do Antigo Testamento com as do Novo. Ela não é apenas uma história inspiradora de lealdade e providência, mas um elo vital na corrente da promessa messiânica. Sua vida demonstra que o plano de Deus para a redenção é inclusivo, soberano e se desdobra através de pessoas comuns em circunstâncias extraordinárias.

Em suma, Rute permanece como um testemunho perene da graça de Deus, da fidelidade humana e da universalidade do plano de salvação. Sua história continua a inspirar crentes de todas as gerações a demonstrar hesed, a confiar na providência divina e a reconhecer o amor de Deus que se estende a todos os povos, culminando na pessoa e obra de Jesus Cristo, o verdadeiro Redentor.