GoBíblia - Ler a Bíblia Online em múltiplas versões!

Significado de Substância

A análise teológica do termo bíblico Substância, sob a perspectiva protestante evangélica conservadora, exige uma exploração cuidadosa de seu desenvolvimento conceitual nas Escrituras, uma vez que a palavra em si não possui um equivalente hebraico ou grego unívoco que abranja todas as suas nuances filosóficas e teológicas. Contudo, o conceito de Substância, como a essência fundamental, a realidade subjacente ou o fundamento de algo, é profundamente enraizado na revelação bíblica e é crucial para a compreensão da natureza de Deus, de Cristo, da fé e da realidade espiritual. Nossa abordagem enfatizará a autoridade bíblica, a centralidade de Cristo e os princípios da sola gratia e sola fide, pilares da teologia reformada.

A compreensão de Substância transcende uma mera definição lexical; ela toca na ontologia divina e na epistemologia da fé. Veremos como o Antigo Testamento estabelece as bases para a realidade do Ser de Deus, e como o Novo Testamento, particularmente a Epístola aos Hebreus, utiliza o termo hypostasis (ὑπόστασις) para descrever a essência divina de Cristo e a certeza da fé. Em Paulo, embora a palavra exata seja menos proeminente, o conceito de Substância se manifesta na realidade do evangelho em contraste com as sombras da Lei. Esta exploração nos levará a uma compreensão mais profunda da doutrina e de suas implicações práticas para a vida do crente.

1. Etimologia e raízes no Antigo Testamento

No Antigo Testamento, embora o termo exato Substância (no sentido filosófico de ousia ou hypostasis) não seja diretamente encontrado, o conceito de uma realidade fundamental, de um ser essencial e imutável, é central para a revelação de Deus. As palavras hebraicas que se aproximam dessa ideia frequentemente denotam firmeza, solidez, verdade, ou a própria existência. A auto-revelação de Deus a Moisés em Êxodo 3:14, "EU SOU O QUE SOU" (Ehyeh Asher Ehyeh), é a declaração mais profunda da Substância divina, indicando um Ser autoexistente, eterno e imutável, que é a realidade última de tudo.

Esta declaração do nome divino YHWH (Javé) não é apenas um nome, mas uma revelação da essência do Ser de Deus – Ele é o que é, o Eterno, o Existente por Si mesmo. Essa Substância divina é a base da Sua fidelidade e das Suas promessas. Outras palavras hebraicas como ’emet (אֱמֶת), que significa "verdade", "firmeza" ou "confiabilidade", apontam para a Substância da Palavra e do caráter de Deus. Quando Deus fala, Ele não está apenas expressando um pensamento, mas declarando uma realidade que tem peso e permanência, como visto em Isaías 40:8: "A erva seca, e a flor cai, mas a palavra do nosso Deus permanece eternamente."

A criação, descrita em Gênesis 1, é o ato de Deus trazendo a Substância do universo à existência a partir do nada, pelo poder de Sua Palavra. Tudo o que existe tem sua Substância originada e sustentada pelo Criador. O pensamento hebraico não se preocupava com abstrações metafísicas no mesmo grau que a filosofia grega, mas enfatizava a realidade concreta e a intervenção de Deus na história. A Substância de Deus se manifesta em Seus atributos – Sua santidade (qodesh, קֹדֶשׁ), Sua justiça, Sua soberania – que são intrínsecos ao Seu Ser e não meras características adicionais.

No contexto da lei e dos profetas, a Substância se revela na inalterabilidade dos mandamentos de Deus e na certeza de Suas profecias. A aliança com Israel não era um mero acordo, mas um pacto baseado na Substância imutável do caráter de Deus, que garante Sua lealdade e o cumprimento de Suas promessas, mesmo diante da infidelidade humana. Os salmos frequentemente exaltam a Substância da presença de Deus e a solidez de Sua proteção, como em Salmos 139:7-10, que fala da impossibilidade de fugir de Sua presença, um testemunho de Sua Substância onipresente.

O desenvolvimento progressivo da revelação no Antigo Testamento estabelece a fundação para a compreensão da Substância como a base de toda a realidade e do Ser de Deus. Ele prepara o caminho para a revelação plena dessa Substância na pessoa de Jesus Cristo. A expectativa messiânica, por exemplo, não era por uma figura meramente humana, mas por alguém que traria a Substância da salvação e da restauração prometidas por um Deus de Substância imutável e eterna.

2. Substância no Novo Testamento e seu significado

No Novo Testamento, a palavra grega mais relevante para a compreensão de Substância é hypostasis (ὑπόστασις). Embora tenha vários significados contextuais, em sua aplicação teológica mais profunda, ela se refere à essência, natureza, realidade ou ser fundamental. A Epístola aos Hebreus é onde este termo assume sua maior proeminência teológica. Em Hebreus 1:3, Cristo é descrito como "o resplendor da glória de Deus e a expressão exata da sua Substância" (hypostasis). Aqui, hypostasis denota a essência ou o ser fundamental de Deus Pai, indicando que Jesus Cristo é coessencial e consubstancial com o Pai, compartilhando a mesma natureza divina.

Esta passagem é crucial para a doutrina da divindade de Cristo e da Trindade. Ela afirma que Cristo não é apenas semelhante a Deus, mas que Ele é a própria manifestação da Substância divina. Ele não é uma criatura, mas a emanação exata e perfeita da essência de Deus. A Substância de Deus, em toda a sua glória e ser, é revelada plenamente em Jesus Cristo, o Verbo encarnado. Isso se alinha com a afirmação de João 1:1, "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus", e com João 1:14, "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai."

Outra aplicação vital de hypostasis no Novo Testamento é encontrada em Hebreus 11:1, onde a fé é definida como "a Substância (hypostasis) das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não veem". Aqui, Substância não se refere à essência divina, mas à realidade, à certeza ou ao fundamento sólido das promessas de Deus e das verdades espirituais invisíveis. A fé não é uma esperança vaga, mas uma convicção firme que dá realidade presente às esperanças futuras e prova a existência de realidades espirituais que não podem ser percebidas pelos sentidos físicos. A fé, portanto, é a Substância que nos conecta à realidade invisível de Deus e do Seu reino.

A relação específica com a pessoa e obra de Cristo é inegável. Cristo é a Substância da revelação divina, o cumprimento das promessas do Antigo Testamento e o fundamento da nossa fé. Ele é a realidade que as sombras do Antigo Testamento prefiguravam (como veremos em Paulo). A Substância de Sua divindade e humanidade, unidas em uma pessoa (a doutrina calcedoniana das duas naturezas em uma pessoa), é essencial para a Sua obra redentora. Somente um mediador que compartilha da Substância divina e humana pode reconciliar Deus e a humanidade.

Há uma clara continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento na compreensão da Substância divina. O Deus autoexistente e imutável do Antigo Testamento é o mesmo Deus cuja Substância é perfeitamente expressa em Cristo no Novo Testamento. No entanto, há também uma descontinuidade no sentido de que a revelação da Substância divina, que era parcial e progressiva no AT, atinge sua plenitude e clareza em Jesus Cristo. Ele é a revelação final e completa da Substância de Deus, o próprio fundamento da nossa salvação e da nossa fé.

3. Substância na teologia paulina: a base da salvação

Embora o apóstolo Paulo não utilize a palavra grega hypostasis com a mesma frequência e ênfase teológica que a Epístola aos Hebreus, o conceito de Substância — no sentido de realidade essencial, fundamento e oposição a meras sombras ou aparências — é vital em sua teologia, especialmente na doutrina da salvação. Em Colossenses 2:17, Paulo faz uma distinção crucial entre as "sombras das coisas futuras" e o "corpo [soma, σῶμα] que é de Cristo". Aqui, "corpo" é entendida como a Substância, a realidade concreta e o antítipo que as práticas e rituais da Antiga Aliança apenas prefiguravam.

As leis alimentares, festas e sábados eram sombras; Cristo é a Substância que dá significado a essas sombras. Ele é a realidade essencial por trás de todos os tipos e figuras do Antigo Testamento. Esta compreensão da Substância de Cristo como o cumprimento do Antigo Testamento é um pilar da teologia paulina e reformada, que vê toda a Escritura centrada em Cristo. A Substância da salvação não reside em rituais ou na obediência à Lei, mas na pessoa e obra consumada de Jesus Cristo.

O contraste com as obras da Lei e o mérito humano é fundamental. A Substância da justificação, segundo Paulo, não é alcançada por esforços humanos, mas é um dom gratuito de Deus recebido pela fé. Em Romanos 3:21-26, Paulo declara que a justiça de Deus é "manifestada sem a lei", "mediante a fé em Jesus Cristo", para todos os que creem. A Substância da nossa retidão diante de Deus é a justiça imputada de Cristo, não nossa própria. Esta é a doutrina da sola fide, a fé somente, que reconhece que a Substância da nossa salvação está inteiramente em Cristo.

A relação da Substância com o ordo salutis (a ordem da salvação) é profunda. A Substância da eleição reside no plano eterno de Deus (Efésios 1:4). A Substância da regeneração é o novo nascimento pelo Espírito Santo, que nos dá uma nova natureza. A Substância da santificação é o processo contínuo de conformidade com a imagem de Cristo, que é a nossa verdadeira Substância como novas criaturas em Cristo (2 Coríntios 5:17). A glorificação, por sua vez, é a manifestação final e completa da nossa Substância redimida, à semelhança de Cristo.

Para Paulo, a Substância do evangelho é o próprio Cristo, crucificado e ressuscitado. Ele é o conteúdo essencial da nossa pregação e da nossa fé (1 Coríntios 1:23; 2:2). A Substância da vida cristã, portanto, é viver "em Cristo", dependendo Dele para tudo. Teólogos reformados como João Calvino enfatizaram que a fé salvadora não é uma crença vazia, mas uma confiança viva na Substância de Cristo e em Suas promessas, que nos une a Ele e nos faz participantes de Seus benefícios. A Substância da nossa salvação é a união com Cristo, por meio da fé.

4. Aspectos e tipos de Substância

A compreensão da Substância na teologia evangélica reformada abrange várias dimensões, cada uma revelando facetas da realidade divina e espiritual. Primeiramente, temos a Substância Divina, conforme expressa em Hebreus 1:3. Esta se refere à essência imutável e eterna de Deus, a Sua natureza intrínseca como Ser triúno – Pai, Filho e Espírito Santo. A Substância de Deus é una, mas subsiste em três Pessoas distintas, sem confusão ou separação. Esta doutrina da Trindade é fundamental, pois define o próprio Ser de Deus e a base de Sua revelação e obra salvífica.

Em segundo lugar, a Substância Cristológica é vital para a soteriologia. A doutrina das duas naturezas de Cristo, plenamente Deus e plenamente homem em uma única pessoa (hipóstase), é a pedra angular da fé cristã. A Substância divina de Cristo é coessencial com o Pai (João 1:1, 14; Filipenses 2:6), e Sua Substância humana é real e completa, assumida na encarnação (João 1:14; Hebreus 2:14). A preservação dessas duas Substâncias distintas, unidas sem confusão, mudança, divisão ou separação, é essencial para que Cristo possa mediar entre Deus e a humanidade, oferecendo um sacrifício perfeito e eficaz.

Em terceiro lugar, a Substância Espiritual, como visto em Hebreus 11:1, refere-se à realidade e certeza que a fé confere às coisas invisíveis e esperadas. A fé não é um mero desejo, mas uma convicção sólida que dá Substância às promessas de Deus e ao mundo espiritual. Esta é a distinção entre a fé salvadora e uma fé meramente histórica ou intelectual. A fé salvadora é a apropriação da Substância de Cristo e de Seus benefícios, que nos une a Ele de forma vital e transformadora, produzindo uma nova realidade interior e exterior.

Outros aspectos incluem a Substância da criação, onde tudo o que existe tem sua origem e sustentação na Palavra de Deus (Colossenses 1:16-17). A Substância da Lei e dos Profetas, que eram sombras apontando para Cristo, a verdadeira Substância (Colossenses 2:17). Erros doutrinários a serem evitados incluem o arianismo, que nega a Substância divina de Cristo, e o docetismo, que nega Sua Substância humana. Ambos comprometem a obra redentora de Cristo. Também se deve evitar a interpretação da Substância da fé como um mérito humano, o que subverteria a sola gratia e a sola fide. A teologia reformada, com sua ênfase na soberania de Deus, ressalta que toda Substância e realidade emanam Dele e são sustentadas por Ele.

Teólogos como Martinho Lutero e João Calvino, ao defenderem a justificação pela fé, enfatizaram que a Substância de nossa salvação não reside em ritos ou obras, mas na união com Cristo, que é a nossa Substância e justiça. A ênfase é sempre na Substância objetiva da obra de Cristo e na Substância subjetiva da fé que se apega a Ele, não em uma fé vazia ou em uma religiosidade superficial. A distinção entre graça comum e graça especial também reflete a Substância da bondade de Deus manifesta universalmente e Sua Substância redentora manifesta seletivamente.

5. Substância e a vida prática do crente

A compreensão teológica da Substância não é meramente uma abstração doutrinária; ela tem profundas implicações para a vida prática do crente, moldando a piedade, a adoração e o serviço. A fé, como a Substância das coisas que se esperam (Hebreus 11:1), proporciona ao crente uma certeza inabalável nas promessas de Deus e na realidade do Seu reino invisível. Esta Substância da fé nos capacita a perseverar em meio às provações, sabendo que nossa esperança não é vã, mas fundamentada na fidelidade de um Deus de Substância imutável.

A adoração verdadeira é moldada pela Substância de Deus revelada em Cristo. Adoramos a Deus em espírito e em verdade (João 4:24), reconhecendo Sua Substância como Espírito e Sua natureza como verdade e amor. Não adoramos ídolos ou conceitos distorcidos, mas o Deus real, cuja Substância é perfeitamente expressa em Jesus Cristo, a "expressão exata da sua Substância" (Hebreus 1:3). Isso nos leva a uma adoração que é teocêntrica e cristocêntrica, baseada na revelação bíblica e não em invenções humanas.

A responsabilidade pessoal e a obediência do crente são intrinsecamente ligadas à Substância da fé. A fé que é a Substância das coisas esperadas não é uma fé passiva, mas uma fé que se manifesta em obras de amor e obediência (Tiago 2:17). A obediência não é um meio para a salvação, mas a evidência e o fruto de uma fé genuína, que se apoia na Substância da graça de Deus e busca honrar a Substância da santidade de Cristo em nossas vidas. O crente, tendo a Substância da nova criação (2 Coríntios 5:17), é chamado a viver de forma consistente com sua nova identidade em Cristo.

Para a igreja contemporânea, a ênfase na Substância é um antídoto contra a superficialidade e o pragmatismo. Muitas vezes, a busca por métodos e resultados imediatos obscurece a necessidade de um fundamento sólido na Substância da doutrina bíblica e na realidade espiritual. A igreja é edificada sobre a Substância de Cristo, a pedra angular (Efésios 2:20), e deve permanecer firme na proclamação da Substância do evangelho, que é Cristo crucificado e ressuscitado. O pastor Charles Spurgeon frequentemente exortava seus ouvintes a se apegarem à "velha Substância" do evangelho, em contraste com as novidades teológicas passageiras.

As exortações pastorais baseadas na Substância incluem o chamado à perseverança na fé (Colossenses 1:23), o crescimento na graça e no conhecimento da Substância de Cristo (2 Pedro 3:18), e a busca por uma vida de santidade que reflita a Substância de Deus. Dr. Martyn Lloyd-Jones, outro proeminente teólogo reformado, constantemente lembrava seus ouvintes da necessidade de ir além da mera forma religiosa para a Substância da verdadeira piedade, que é a vida em comunhão com Deus através de Cristo. A vida cristã é um equilíbrio dinâmico entre a doutrina sólida e a prática devocional, ambas enraizadas na eterna Substância de Deus e de Sua revelação em Jesus Cristo.