Significado de Tiberíades
A cidade de Tiberíades é uma localidade de considerável importância para a compreensão do contexto geográfico, histórico e teológico do ministério de Jesus Cristo e da vida judaica no primeiro século. Fundada por Herodes Antipas, ela se tornou um centro político e cultural na Galileia, embora sua relação com a narrativa evangélica seja marcada por uma interessante particularidade: a aparente ausência de Jesus dentro de seus muros. Este artigo oferece uma análise profunda e abrangente sobre Tiberíades, explorando sua etimologia, localização, história, eventos bíblicos e relevância teológica sob uma perspectiva protestante evangélica.
1. Etimologia e significado do nome
O nome Tiberíades deriva diretamente do imperador romano Tibério (em latim, Tiberius Caesar Augustus), que governou o Império Romano de 14 a 37 d.C. A cidade foi fundada por Herodes Antipas, tetrarca da Galileia e Pereia, por volta de 18-20 d.C., e nomeada em homenagem ao seu patrono imperial.
No grego do Novo Testamento, a cidade é referida como Τιβεριάς (Tiberiás). Este nome ressalta sua origem e caráter romano-helenístico, distinguindo-a das cidades mais antigas e tradicionalmente judaicas da região. Não há um nome hebraico ou aramaico original para a cidade, pois ela foi uma fundação completamente nova nesse período.
O significado do nome, portanto, é "Cidade de Tibério" ou "Pertencente a Tibério". Essa designação não apenas honrava o imperador, mas também sinalizava a lealdade de Herodes Antipas a Roma, um fator crucial na política da Judeia e Galileia no primeiro século. A escolha do nome reflete a forte influência romana na administração e cultura da região.
A presença de um nome romano para uma cidade na Galileia, uma região predominantemente judaica, simboliza a tensão cultural e política da época. Enquanto outras cidades mantinham nomes de raízes semíticas, Tiberíades afirmava uma identidade imperial, o que teria implicações para sua aceitação entre os judeus mais conservadores.
A designação do Mar da Galileia como "Mar de Tiberíades" em João 6:1 e João 21:1 é um exemplo da proeminência que a cidade adquiriu. Essa nomenclatura, embora não exclusiva, demonstra o reconhecimento de Tiberíades como o principal centro urbano às margens do lago para a audiência romana e helenística.
Essa conexão imperial também pode ter contribuído para a percepção da cidade como um centro de poder e, possivelmente, de impureza cerimonial para muitos judeus. A fundação em um antigo cemitério, como será discutido, apenas reforçaria essa visão, tornando o nome ainda mais carregado de significado para os contemporâneos.
2. Localização geográfica e características físicas
2.1 Geografia e topografia da região
Tiberíades está localizada na margem ocidental do Mar da Galileia, também conhecido como Lago de Genesaré, Lago de Quinerete ou, no Novo Testamento, Mar de Tiberíades (João 6:1). Sua posição é estratégica, no coração da Baixa Galileia, uma região fértil e densamente povoada na época de Jesus.
A cidade se estende por uma estreita planície costeira entre as águas do lago e as colinas que se elevam abruptamente a oeste. Essa topografia confere a Tiberíades uma vista espetacular sobre o lago, ao mesmo tempo que a protege dos ventos mais fortes vindos do Mediterrâneo.
O Mar da Galileia, com cerca de 21 km de comprimento e 13 km de largura, é uma fonte vital de água e recursos pesqueiros. A altitude de Tiberíades, aproximadamente 210 metros abaixo do nível do mar, contribui para um clima subtropical, com verões quentes e invernos amenos, propícios à agricultura.
A região é rica em recursos naturais, incluindo solos férteis para o cultivo de cereais, oliveiras e tâmaras. Além disso, Tiberíades é notável por suas fontes termais de enxofre, localizadas ao sul da cidade, que eram famosas por suas propriedades medicinais desde a antiguidade e atraíam visitantes.
2.2 Proximidade com outras localidades e rotas
A localização de Tiberíades a colocava em proximidade com outras cidades importantes da Galileia mencionadas nos Evangelhos. Ao norte, ao longo da costa, ficavam Magdala (lar de Maria Madalena), Cafarnaum e Betsaida, centros do ministério de Jesus (Mateus 11:20-24).
A cidade também estava ligada por rotas comerciais importantes. A Via Maris, uma das principais artérias comerciais do Oriente Próximo, passava relativamente perto, conectando o Egito à Mesopotâmia. Embora não passasse diretamente por Tiberíades, a cidade se beneficiava de sua proximidade.
A navegação no Mar da Galileia era um meio de transporte essencial, conectando as cidades costeiras e facilitando o comércio local. A frota pesqueira e os barcos de passageiros eram elementos comuns da paisagem, como evidenciado nos Evangelhos (Marcos 4:35-41).
Dados arqueológicos confirmam a presença de uma cidade romana bem planejada, com ruas pavimentadas, um teatro, um hipódromo e termas. Escavações revelaram a grandiosidade da cidade construída por Herodes Antipas, refletindo seu desejo de criar uma capital digna de seu nome e de seu patrono imperial.
3. História e contexto bíblico
3.1 Fundação e contexto político
A cidade de Tiberíades foi fundada por Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, por volta de 18-20 d.C. Antipas governou a Galileia e a Pereia como tetrarca e escolheu este local para construir sua nova capital, substituindo Séforis, que estava localizada mais para o interior.
A decisão de construir Tiberíades foi motivada pelo desejo de Antipas de estabelecer um centro urbano que refletisse a cultura helenística-romana e honrasse o imperador Tibério. A cidade foi dotada de infraestrutura romana, incluindo um palácio, um hipódromo, um anfiteatro e banhos públicos.
Um aspecto crucial e problemático da fundação de Tiberíades foi o fato de ter sido construída sobre um cemitério antigo. Para os judeus observantes, o contato com túmulos tornava uma pessoa ritualmente impura (Números 19:16). Isso significava que muitos judeus piedosos se recusavam a morar na cidade ou até mesmo a entrar nela, pelo menos em seus primeiros anos.
Herodes Antipas teve que recorrer a meios coercitivos, incluindo a promessa de terras e isenções fiscais, para atrair moradores para a nova capital. Essa circunstância é vital para entender a relação (ou a falta dela) entre Jesus e a cidade de Tiberíades.
3.2 Eventos bíblicos e ausência de Jesus
Apesar de sua proeminência como capital da Galileia e sua proximidade com muitos dos locais onde Jesus ministrou, os Evangelhos não registram nenhuma visita de Jesus à cidade de Tiberíades. Esta é uma ausência notável e teologicamente significativa.
Jesus realizou grande parte de seu ministério nas cidades e aldeias ao redor do Mar da Galileia, como Cafarnaum (Mateus 4:13), Betsaida (Lucas 9:10) e Corazim (Mateus 11:21). Ele ensinou na sinagoga de Cafarnaum (Marcos 1:21) e realizou muitos milagres na região do lago.
A razão mais provável para essa ausência é a impureza ritual associada à cidade. Jesus, embora desafiasse muitas tradições judaicas, respeitava a Lei mosaica e a sensibilidade de seus seguidores. Entrar em Tiberíades poderia ter sido visto como uma transgressão desnecessária, alienando os judeus mais conservadores e complicando seu ministério.
Os Evangelhos, em vez de descreverem Jesus em Tiberíades, usam o nome da cidade para se referir ao lago. O Evangelho de João, em particular, menciona o "Mar da Galileia, que é o Mar de Tiberíades" (João 6:1) e novamente em João 21:1, quando Jesus aparece aos discípulos após a ressurreição.
Essa menção do lago com o nome de Tiberíades em João pode ser uma indicação de que o evangelista estava escrevendo para uma audiência mais ampla, familiarizada com o nome romano do lago, ou que, na época da escrita de João, o nome "Mar de Tiberíades" já havia se tornado comum.
3.3 Desenvolvimento histórico pós-bíblico
Após o período bíblico, Tiberíades continuou a ser uma cidade de grande importância. Após a destruição de Jerusalém em 70 d.C. e a subsequente revolta de Bar Kochba (132-135 d.C.), a cidade se tornou um dos principais centros do judaísmo na Galileia.
Muitos rabinos e estudiosos judeus se estabeleceram em Tiberíades, e a cidade se tornou o local onde a Mishná (século III d.C.) e o Talmude de Jerusalém (século V d.C.) foram compilados. Foi também em Tiberíades que os Masoretas desenvolveram o sistema de vocalização e acentuação do texto hebraico da Bíblia (séculos VI-X d.C.), o que é de imensa relevância para a preservação do Antigo Testamento.
A cidade passou por períodos de domínio romano, bizantino, árabe, cruzado e otomano, cada um deixando sua marca. A rica história de Tiberíades, embora em grande parte pós-bíblica, sublinha sua duradoura importância como um centro cultural e religioso.
4. Significado teológico e eventos redentores
4.1 O contraste entre os reinos
A ausência de Jesus dentro dos muros de Tiberíades, a capital de Herodes Antipas, é teologicamente significativa. Ela contrasta o reino terreno e político de Herodes, que se curvava a Roma, com o Reino de Deus que Jesus proclamava (Marcos 1:15).
Tiberíades, com seu nome romano, sua arquitetura helenística e sua fundação em um cemitério, representava o mundo secularizado, o poder político e, para muitos judeus, a impureza. Jesus, ao evitar a cidade, pode ter simbolicamente afirmado a separação de seu ministério dos centros de poder terreno e da mundanidade.
Seu ministério se concentrava nas aldeias e cidades menos proeminentes, entre o povo comum, os marginalizados e os necessitados, distanciando-se do fausto e da política de Herodes. Essa escolha ressalta a natureza espiritual e transformadora do Reino de Deus, que não se estabelece por meio de poder político ou grandiosidade terrena.
4.2 O Mar de Tiberíades como cenário de eventos redentores
Embora Jesus não tenha entrado na cidade de Tiberíades, o Mar de Tiberíades (ou Mar da Galileia) foi o cenário de alguns dos eventos mais cruciais e redentores de seu ministério. Foi ali que Jesus chamou seus primeiros discípulos, pescadores como Pedro, André, Tiago e João (Mateus 4:18-22).
O lago foi palco de milagres espetaculares, como a acalmar a tempestade (Marcos 4:35-41), andar sobre as águas (Mateus 14:22-33) e a pesca milagrosa (Lucas 5:1-11). Esses eventos demonstram o poder soberano de Jesus sobre a criação e sua divindade.
A multiplicação dos pães e peixes para alimentar uma multidão de cinco mil homens, além de mulheres e crianças, ocorreu perto do Mar da Galileia (Mateus 14:13-21; João 6:1-14). Este milagre prefigurou a provisão espiritual de Jesus como o Pão da Vida (João 6:35).
Após sua ressurreição, Jesus apareceu novamente aos seus discípulos à beira do Mar de Tiberíades, onde restaurou Pedro e o comissionou para "apascentar minhas ovelhas" (João 21:1-19). Este evento é um momento chave na história da redenção, reafirmando a missão dos apóstolos.
4.3 Simbolismo teológico
A cidade de Tiberíades, como um centro de poder romano-helenístico, pode ser vista como um símbolo da "estrutura do mundo" ou do "espírito do mundo" que Jesus veio transcender e redimir. Sua evitação da cidade não foi um repúdio à sua gente, mas talvez uma declaração sobre a natureza de seu reino.
O contraste entre a cidade de Tiberíades e o lago que leva seu nome é instrutivo. A cidade representa o domínio humano e político, enquanto o lago é o cenário da manifestação do poder divino de Jesus, um espaço de encontro com o povo e de revelação do Reino de Deus.
A teologia reformada e evangélica enfatiza a soberania de Deus sobre todas as coisas, e a história de Tiberíades, com sua fundação e desenvolvimento, ilustra como Deus usa até mesmo as ações de governantes terrenos para cumprir Seus propósitos, ainda que de maneiras inesperadas, como na preservação do judaísmo após a destruição do Templo.
5. Legado bíblico-teológico e referências canônicas
5.1 Menções canônicas de Tiberíades
As referências diretas a Tiberíades no cânon bíblico são poucas e concentradas no Evangelho de João. Ela é mencionada duas vezes, não como um local de ministério de Jesus, mas para identificar o Mar da Galileia:
- João 6:1: "Depois disso, Jesus foi para o outro lado do Mar da Galileia, que é o Mar de Tiberíades."
- João 21:1: "Depois disso, Jesus apareceu outra vez aos seus discípulos junto ao Mar de Tiberíades. E foi assim que ele apareceu."
Essa especificidade no Evangelho de João pode indicar que o autor estava ciente de que a cidade de Tiberíades era um ponto de referência conhecido para sua audiência, possivelmente uma comunidade mais familiarizada com o mundo greco-romano.
Os Evangelhos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) nunca mencionam a cidade de Tiberíades pelo nome, embora descrevam extensivamente o ministério de Jesus na região do Mar da Galileia. Essa distinção ressalta a perspectiva única de João sobre a geografia e a cultura da Galileia.
5.2 Importância na literatura intertestamentária e extra-bíblica
Flávio Josefo, o historiador judeu do primeiro século, fornece informações detalhadas sobre a fundação de Tiberíades por Herodes Antipas em suas obras, especialmente em Antiguidades Judaicas e A Guerra dos Judeus. Suas descrições confirmam a construção da cidade sobre um cemitério e a relutância dos judeus em habitá-la inicialmente.
A literatura rabínica pós-bíblica, como a Mishná e o Talmude de Jerusalém, frequentemente menciona Tiberíades como um centro vital de erudição judaica. A cidade se tornou um refúgio para os estudiosos judeus após as revoltas contra Roma, desempenhando um papel crucial na preservação da tradição judaica.
A escola de Tiberíades foi fundamental para o desenvolvimento do sistema masorético, que adicionou vogais e acentos ao texto consonantal hebraico do Antigo Testamento. Essa contribuição é de valor inestimável para a compreensão e tradução das Escrituras, garantindo sua fidelidade ao longo dos séculos.
5.3 Relevância para a teologia evangélica
A história de Tiberíades e sua relação com o ministério de Jesus oferecem várias lições importantes para a teologia evangélica. Primeiramente, ela ilustra a soberania de Deus sobre a história humana, usando até mesmo os planos de governantes seculares para Seus propósitos redentores.
Em segundo lugar, a ausência de Jesus na cidade serve como um lembrete de que o Reino de Deus muitas vezes opera fora dos centros de poder e influência mundanos, focando nos marginalizados e na transformação espiritual. Isso ressoa com a ênfase evangélica na simplicidade do evangelho e na missão de alcançar os perdidos.
Por fim, a contribuição de Tiberíades para a preservação do texto hebraico através dos Masoretas destaca a providência divina na guarda das Escrituras. A teologia evangélica, que valoriza a inerrância e a autoridade da Bíblia, reconhece a importância desse legado para a fé cristã.
A cidade de Tiberíades, portanto, transcende sua mera menção geográfica. Ela representa um ponto de contraste cultural e teológico, um cenário para a manifestação do poder de Cristo e um elo crucial na cadeia da transmissão textual das Escrituras, consolidando seu lugar na história bíblica e teológica.